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Ladrões, gatunos, larápios e outros delinquentes

Este é um ano de cobras. Um ano em que os ladrões, gatunos e larápios unem esforços para a predação.

Sei bem que são sinónimos. Há, contudo, pequenas nuances.

Os ladrões fazem lembrar aquelas criaturas que o Ali-babá conseguiu vencer.

Os ladrões comem por vício. O apetite ladroeiro é ilimitado. Lobos ferozes. Fazem grandes batidas para a caça. A caça lupina é implacável, selvática, brutal.

Os ladrões organizam-se agora, nos dias que correm, em agências que administram o produto da razia. Dantes, no oeste selvagem, andavam a cavalo de revólver em punho. E depois faziam os assaltos, os ataques, as ofensivas. Agora são criaturas plácidas, cuja voz vem não se sabe donde, sem rosto nem corpo. Aprenderam a gamar nos melhores colégios, institutos, faculdades, tudo estabelecimentos das teorias de rapinagem. Por estranho que pareça há livros que ensinam a arte de esmifrar. A grande arte do esmifranço é uma prática antiga.

Têm como alvo tudo quanto pareça fraco, pessoas, países, continentes. É que os ladrões adoram a fraqueza. Aliás, só gostam de gente fraca. Não são como o comum dos mortais. A gente, por exemplo, quando come um frango ou gosta da perna, ou do peito, ou da asa. Da asinha. Com os ladrões não é assim. Só gostam daquilo que intuem ser frágil. Do que sabem ser forte, tá quieto. Nem tocam. Podiam tocar e fugir, mas nem isso. Não há cá toca e foge. Com os fortes fazem grandes alianças e dão grandes abraços, tratam-se por tu e, no meio dos assaltos, fazem logo contas. Pataca a mim, pataca a ti.

Depois há os gatunos. Os gatunos agem em áreas delimitadas. Digamos que os ladrões têm apetites internacionais. Os gatunos têm competências nacionais. São um subproduto da ladroagem global.

Os gatunos têm um chefe. Também têm subchefes tão rafeiros como os chefes.

Há gatunos que decidem em conselho as malfeitorias. Alguns parecem débeis mentais, ninguém dá nada por eles quando os ouve. A voz é parada, esparvoada, chata. E, no entanto perigosíssima.

Há gatunos tão gatunos que até os amigos acham que é demais.

Quando os amigos dos gatunos não gostam dos planos para gatunar, estes ficam sentidos, ofendidos e tristes. Tristes como o Ronaldo. Tristinhos.

Há ainda os larápios. No fundo são todos a mesma coisa. Mas os larápios são talvez mais tortuosos, quer dizer, têm dedos especializados em contas, com grande vocação administrativa e fiscal. Olham em volta, com códigos específicos guardados debaixo das axilas, e pensam em cobrar, cobrar, cobrar até o ar que inspiramos e expiramos. E privatizar, claro. Privatizar, pôr as patas em tudo o que é de todos. Ou devia ser de todos.

Aparecem-nos compungidos de números a dizer que a salvação se chama privatização. Acreditem, dizem, só privatizando é possível sobreviver. Fiéis cheios de fé debaixo do pálio da finança internacional e mafiosa.

Este é um ano de cobras. Um ano em que os ladrões, gatunos e larápios unem esforços para a predação. Perseguem-nos, capturam-nos e comem-nos. Na penumbra, às escâncaras, ao natural, ou com um qualquer requinte de molho contributivo.

Um ano de cobras que nos cobra a vida. O ano está a acabar. Acabemos com isto.

Sobre o/a autor(a)

Advogada, dirigente do Bloco de Esquerda. Escreve com a grafia anterior ao acordo ortográfico de 1990
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