Keynes, os seus netos e os estivadores

porMariana Mortágua

05 de junho 2016 - 11:20
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Com a sua persistência, os estivadores conseguiram uma vitória, não só para si, mas em nome de uma ideia que não foi esquecida: já somos netos de Keynes, a exploração já não devia ser a norma, muito menos a "nova" norma.

Em 1931, apesar dos sinais daquela que viria a ser conhecida como A Grande Depressão, Keynes escreveu um artigo otimista chamado "Possibilidades económicas para os nosso netos". Nele discutia como, lá para 2030, a sociedade teria produzido riqueza suficiente para o trabalho, reduzido a 15h semanais, se tornar uma questão de realização pessoal. A Humanidade - livre da obsessão pela acumulação - reaprenderia a viver em função do prazer e da cultura.

Keynes estava certo numa coisa: a riqueza e os níveis de vida aumentaram. Estava errado noutra: a acumulação de riqueza não foi distribuída pela sociedade, concentrou-se, em parte à custa de novas formas de exploração do trabalho. Keynes não contava com a precariedade.

No Porto de Lisboa havia um grupo de trabalhadores com direitos e salários apropriados para um trabalho que ainda é muito duro. Conseguiram mantê-los porque estavam unidos numa única empresa, sob um contrato coletivo de trabalho. Em 2013, criou-se uma lei que permitia que, ao lado deste contrato, pudessem florescer outras empresas, com liberdade para contratar quem quisessem, independentemente das qualificações, independentemente do preço. Diziam que o objetivo era deixar entrar mais trabalhadores, e tirar aos já existentes o poder de evitar a sua entrada. Mas é mentira. O objetivo era fazer em Lisboa o mesmo que já acontece, por exemplo, em Leixões, onde estivadores trabalham 16h por 750euro mês, com contratos anuais. O objetivo era contratar gente ao dia, para fazer concorrência aos que lá trabalhavam com direitos.

Os estivadores não estavam contra a contratação de trabalhadores, simplesmente queriam que todos os novos fossem contratados segundo os seus direitos, e os seus salários. A prova disso era que uma das suas reivindicações era a integração nos quadros de 70 outros, precários. A outra era que estes novos trabalhadores pudessem ser integrados a um salário um pouco superior a metade dos atuais. Em troca abdicaram de escolher quais dos estivadores recebiam as horas extraordinárias, poupando 2 milhões aos patrões.

Com a sua persistência, os estivadores conseguiram uma vitória, não só para si, mas em nome de uma ideia que não foi esquecida: já somos netos de Keynes, a exploração já não devia ser a norma, muito menos a "nova" norma.

Artigo publicado no “Jornal de Notícias” em 31 de maio de 2016

Sobre o/a autor(a)

Mariana Mortágua

Deputada. Dirigente do Bloco de Esquerda. Economista.
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