Nuno Crato foi à Alemanha e trouxe na pasta o "milagre alemão" para vender em Portugal: um sistema de ensino que faz a seriação dos alunos logo aos 10 anos de idade, empurrando os que "revelam menos capacidades intelectuais" para o ensino vocacional ou profissional. A perversidade deste sistema, que reproduz as desigualdades sociais de partida e até as amplia, foi muito bem denunciada pelo artigo recente do Rodrigo Rivera e também bem colocada já há um tempo atrás pelo José Soeiro. A Presidente do Conselho Nacional de Educação, bem como outros especialistas ouvidos pelo jornal "Público", juntam-se ao coro de críticas, denunciando "uma situação flagrante de falta de equidade". A própria OCDE, bem como diversos especialistas alemães, alinham pelo mesmo diapasão, lembrando o aumento da iliteracia dos jovens alemães com 14 anos de idade.
Sobre esta questão, e para não repisar no que já foi escrito, quero apenas acrescentar duas notas, que decorrem de dados concretos publicados pela OCDE:
1 - Nuno Crato argumenta que este sistema de ensino traz inúmeras vantagens, principalmente porque permite reduzir o desemprego dos mais jovens, através de uma entrada mais precoce no mercado de trabalho. No entanto, segundo os dados do último relatório sobre Educação da OCDE, são precisamente os jovens que foram atirados para os cursos vocacionais de suposta entrada rápida no mercado de trabalho (até aos 15 anos) que engrossam as fileiras do desemprego ou dos profissionais mais mal pagos, facto que não passou despercebido à jornalista da SIC que noticiou a visita de Crato à Alemanha (veja-se aqui o vídeo). Na verdade, a taxa de desemprego dos jovens alemães com qualificações até ao equivalente ao nosso 9º ano de escolaridade é de 15,9% contra 12,5% da média dos países da OCDE (leia-se aqui o relatório da OCDE sobre o ensino na Alemanha). Aliás, o que é verdade tanto na Alemanha, como em Portugal, como em todos os países da OCDE, é que quanto mais alto o grau de instrução maior a probabilidade de se conseguir um emprego e com maior remuneração.*
2 - Ainda segundo a OCDE, o sistema de ensino Alemão é dos únicos em que os jovens têm mais probabilidades de ficarem com menos qualificações escolares do que os seus pais. Apenas 20% dos jovens alemães conseguem obter qualificações escolares superiores aos seus pais (na OCDE, a média é de 37%, e em Portugal é de 38%), sendo que 22% ficam com menos qualificações que os seus pais (na OCDE a média é de 13% e em Portugal é de 3%)**. Na verdade, a Alemanha é dos países com menos jovens dos 25 aos 34 anos com formação superior (26%, apenas 1% acima de Portugal e bem abaixo da média da OCDE que é de 38%). Na Alemanha a escola não serve de ascensor social. Porquê? Responde a OCDE: "De certa forma, a predominância de alemães que não atingem mais do que qualificações médias, reflete o sistema dual do país, no qual os cursos vocacionais do ensino secundário desempenham um papel preponderante".
Na Alemanha discriminam-se os alunos mais desfavorecidos (que serão desempregados ou muito mal pagos) e subjugam-se os restantes à ditadura das empresas, através de um ensino secundário cada vez mais determinado pelas necessidades destas, formando uma mão-de-obra ainda que relativamente qualificada, menos autónoma e mais servil e acrítica. Colocar a educação ao serviço do mercado e das empresas até pode trazer benefícios económicos a curto prazo num tecido económico como o alemão, mas que nunca compensarão o espírito crítico, a amplitude de conhecimentos e a formação prática, humanista e cidadã que a escola e a universidade podem e devem oferecer ao longo da vida, não só a cada um/a, mas também ao presente e futuro de toda a sociedade. Crato já fez a sua escolha: uma escola que exclui alguns e que, quanto aos outros, os domestica na engrenagem do capital. Pensar para quê?
* Tabelas A7.1b e A7.4ª do relatório Education at a Glance (Capítulo A).
** Tabela A6.3 do relatório Education at a Glance (Capítulo A).