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José Manuel Fernandes e o estranho caso da desigualdade no Estado Social

Ao tentar provar que o Estado Social provoca desigualdade, JMF esconde verdades e atiça trabalhadores contra trabalhadores.

O social killer José Manuel Fernandes (JMF) assinou na passada sexta feira, 27 de Agosto, um artigo de opinião em que pretendia demonstrar como o Estado Social em Portugal tem conduzido a um aumento da desigualdade. O seu objectivo era provar, por A mais B, que se este modelo, o Estado Social, provoca um aumento de desigualdade então deveríamos descartá-lo de todo e trocá-lo pela lei da selva que tem vindo a defender.

Para dar consistência às suas teses, o ex-jornalista cita um estudo de Luciano Amaral onde este expõe que entre 1990 e 2010 o índice de Gini cresceu de 0,33 para 0,38. Este índice de desigualdade, criado por Conrado Gini em 1912, mede a diferença de rendimento entre os mais ricos e os mais pobres, ao valor 0,0 corresponde uma distribuição absolutamente igualitária do rendimento, ao passo que 1 equivale a dizer que apenas um indivíduo da sociedade tem todo o rendimento.

Segundo o ex-jornalista, teria sido o Estado Social a provocar o aumento de desigualdade verificado nestes 20 anos. A culpa seria de corporações; das corporações dos funcionários públicos, das corporações de pensionistas, das corporações daqueles que têm (ainda) contratos de trabalho. Os pilares do Estado Social, como o Sistema Nacional de Saúde, a Escola Pública e a Segurança Social, estariam então a sugar os preciosos recursos da população e, com isso, a contribuir para o aumento da desigualdade.

Esta tese tem várias falhas, mas uma sobressai: esbarra com a realidade.

Se se calculasse o índice de Gini do Portugal do Estado Novo verificar-se-ia, sem dúvida, um enorme salto na direcção de uma sociedade mais justa que o 25 de Abril realizou. Não pode haver dúvidas que a introdução dos referidos pilares do Estado Social combateu as corporações do regime fascista e que promoveram uma sociedade muito mais justa e igualitária.

O acesso a cuidados de saúde para todos permitiu que milhões de pessoas melhorassem a sua vida; a Segurança Social - esse contrato histórico de solidariedade entre os trabalhadores - fez com que a pobreza fosse um fantasma menos presente na vida de quem trabalha; e a Escola Pública fez com que o país saísse do analfabetismo crónico e que com isso se pudesse modernizar.

Mas o opinion maker tem razão, nos últimos 20 anos a desigualdade aumentou e isso reflecte-se no índice de Gini. A questão é que, desde 1990, se puseram em marcha e a toda a velocidade as reformas dos sucessivos governos PSD/PS que foram minando os pilares do Estado Social e que foram oferecendo a preço de saldo empresas públicas estratégicas que permitiram à burguesia rentista e adversa ao risco que existe em Portugal um enriquecimento desmesurado. O fosso entre os mais ricos e os mais pobres ficou maior porque se permitiu que os ricos ficassem muito mais ricos a custo das condições de vida dos mais pobres.

Mas JMF esquece tudo isso e apresenta o aumento da desigualdade como um falhanço do Estado Social, oferecendo, como moeda de troca, a lei da selva. A destruição às prestações ou de uma só assentada do que ainda existe do contrato social que permitiu que milhões de pessoas em Portugal saíssem da absoluta pobreza e a sua substituição por um Estado Garantia indefinido e, por definição, injusto, é a prova de que a crise desequilibrou ainda mais a relação de forças para o lado dos mais ricos.

A resposta que a esquerda lhes pode dar só pode ser baseada na mobilização de todos e todas que são explorados e oprimidos e pela aceitação de que se a desigualdade está a aumentar são precisas respostas radicais para ganhar a batalha contra a “inevitabilidade” da destruição do Estado Social.

Ricardo Moreira

27 Agosto 2010

Sobre o/a autor(a)

Engenheiro e mestre em políticas públicas. Dirigente do Bloco.
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