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A jogada

Com as sondagens para as europeias a correrem mal e a sentir a maioria absoluta cada vez mais distante, o Governo resolveu montar uma farsa. Indiferente à consequência de atiçar o país contra os professores da Escola Pública com base em manipulações.

No final de 2015, quando se formou a geringonça, corriam apostas sobre o seu fim. As divergências políticas entre a esquerda e o PS eram tantas que teria sido chamado de louco quem apostasse numa legislatura completa.

Mas, percorrido um caminho impensável, é a 4 meses de eleições que tudo se precipita. O primeiro-ministro resolveu anunciar que se demite se o Parlamento aprovar a proposta de recuperação do tempo de serviço dos professores como já fez para as carreiras gerais da função pública. Passado o dramatismo do momento, percebemos o artificialismo da jogada.

Com as sondagens para as europeias a correrem mal e a sentir a maioria absoluta cada vez mais distante, o Governo resolveu montar uma farsa. Indiferente à consequência de atiçar o país contra os professores da Escola Pública com base em manipulações.

Com o passar dos dias a verdade vem à tona. Como é evidente, a governabilidade nunca esteve ameaçada. A história demonstra que já houve razões muito maiores para crises políticas que nunca chegaram a acontecer. Como a vez em que o PS se juntou ao PSD para passar ao país um fatura de mais de 2 mil milhões de euros pelo buraco do Banif. Ou quando o Bloco conseguiu uma maioria para impedir que o PS rasgasse os acordos e descesse a TSU patronal a troco do aumento do salário mínimo.

Mas a verdade passou por torturas na roda viva de ministros que ecoaram a ficção em todas as televisões. E valeu de tudo: afirmar que os professores pediam retroativos, dizer que se pedia tudo de uma vez, que estava em causa a sustentabilidade do país, inventar inconstitucionalidades. Tudo mentira polvilhada com um chorrilho de números que a cada comunicado do Ministério das Finanças só crescia em milhões e perdia em credibilidade.

O que o Parlamento aprovou foi a recuperação de 2 anos 9 meses e 18 dias já previstos pelo Governo em 2019 e a negociação futura do restante tempo de serviço, sem retroativos. O Governo chegou a dizer que o custo final, incluindo o descongelamento e as restantes carreiras especiais, chegaria aos 1100 milhões. Ontem a UTAO esclareceu: o valor líquido seria sempre inferior a 400 milhões. O Governo mudou a fórmula para manipular o resultado, porventura contas feitas com a calculadora do Eurogrupo.

O desfecho desta história só pode ser a indignação do país perante três trágicas conclusões.

A primeira é que o PS não hesitou em manipular o país e espalhar o ressentimento social em relação aos professores em nome de um taticismo eleitoral.

A segunda é que o ministro das Finanças ou não sabe fazer contas ou quis enganar o país.

A terceira é que a direita recuou, e mesmo quando ficou demonstrada a farsa dos números, PSD e CDS cederam perante a chantagem do Governo e deixaram os professores pendurados. Ao contrário do que disse Rui Rio, a declaração de voto do PSD na especialidade foi clara sobre o que foi aprovado: “Garantimos que são contabilizados em 2019 os 2 anos 9 meses e 18 dias. Em relação ao restante tempo ficou consagrado o que consideramos correto, a negociação entre as partes. Infelizmente os critérios de sustentabilidade e saúde financeira foram chumbados, de qualquer forma a nossa votação permitirá que o Governo vá para a negociação com todos os graus de liberdade”.

Fugiu a boca para a verdade ao presidente do PSD quando afirmou que há professores a mais. O sonho da direita seria sair deste recuo com legitimidade parlamentar para a revisão da carreira docente, e impedir agora uma futura negociação da recuperação integral do tempo de serviço. O passo seguinte seria indexar o salário mínimo ao pacto de estabilidade e crescimento.

A direita ainda pode arrepender-se e juntar-se ao Bloco para aprovar a proposta votada em especialidade. Mas PSD e CDS não contam com o Bloco de Esquerda para trazer a troika pela porta do cavalo.

Uma última nota para aquele que prometeu defender radicalmente os professores mas ficou calado perante esta campanha de enganos promovida pelo PS. Tiago Brandão Rodrigues desapareceu na névoa. E não me parece que valha a pena esperar pelo seu regresso.

Artigo publicado no jornal “I” a 9 de maio de 2019

Sobre o/a autor(a)

Deputada e dirigente do Bloco de Esquerda, licenciada em relações internacionais.
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