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A invasão da desinformação

Alguns órgãos de comunicação social divulgaram informação falsa sobre a posição do Bloco de Esquerda. Não sabemos se por má fé, mau jornalismo ou maus fígados por causa das críticas que o Bloco tem vindo a fazer à oligarquia russa.

Nos últimos dias, o Bloco de Esquerda foi alvo de uma campanha de desinformação com o objetivo de enganar ou, pelo menos, confundir a opinião pública sobre a posição do partido em relação à invasão da Ucrânia pela Rússia. Não é certo onde terá começado a mentira, mas sabemos que percorreu um caminho já habitual antes de chegar aos jornais: as redes sociais de responsáveis políticos de direita e extrema direita. Dando nomes à história, Ricardo Baptista Leite (PSD), André Ventura (Chega) e Nuno Melo (CDS), fizeram publicações em que confundiam deliberadamente a votação do Programa de assistência macrofinanceira à Ucrânia, ocorrida 14 dias antes, e uma outra votação em que o Parlamento Europeu condenou a invasão russa e que foi realizada na passada terça-feira.

A diferença entre as duas votações é clara: na primeira, feita antes da invasão, estava em causa um programa de “assistência financeira” que remonta a 2014, a troco de condicionalidades a la troika que o Bloco, em solidariedade com o povo ucraniano, jamais poderia aceitar. Por isso os eurodeputados do Bloco de Esquerda abstiveram-se nessa votação.

Nada disto está relacionado com a votação feita esta semana, de condenação à Rússia, que os eurodeputados do Bloco votaram a favor. Aliás, como referiu o eurodeputado do Bloco José Gusmão “por ironia do destino, a resolução [de condenação à Rússia] renova o apelo à assistência financeira à Ucrânia, mas agora sem qualquer referência a condições, ou seja, exatamente a posição que o Bloco tinha tomado duas semanas antes. Aliás, a assistência agora deverá (espero) ser a fundo perdido”.

Esta posição do Bloco não é surpreendente. No dia 24 de fevereiro, num debate no Parlamento com a presença do ministro dos Negócios Estrangeiros, Pedro Filipe Soares já tinha afirmado que “a invasão da Ucrânia pela Rússia é inaceitável’’, e que o “Bloco de Esquerda condena, sem reserva, o ataque que está em curso e a ocupação de território de um país soberano. Não há imperialismos bons e imperialismos maus, são todos perigosos para os povos e por isso rejeitamos a ação militar russa. Lamentamos todas as vidas perdidas e estamos solidários com todas as pessoas que deixam suas casas para trás e fogem da guerra”.

Na véspera, e ainda antes da invasão, eu escrevi neste mesmo jornal que “o discurso [dePutin], que surpreendeu pela violência do nacionalismo e do ressentimento imperialista, suscitou o aplauso da extrema-direita mundial e com isso estará (quase) tudo dito”. Posição, aliás, que veio na sequência de tomadas de posição de condenação ao presidente russo por parte da Comissão Política e da Mesa Nacional do Bloco de Esquerda.

Se dúvidas houvesse, a presença de Catarina Martins e de uma grande delegação do Bloco de Esquerda na concentração contra a guerra em frente à embaixada russa tê-las-ia dissipado. Assim como as centenas de publicações nas redes sociais de responsáveis bloquistas.

No entanto, nada disto impediu que alguns órgãos de comunicação social divulgassem informação falsa sobre a posição do Bloco de Esquerda. Não sabemos se por má fé, mau jornalismo ou maus fígados por causa das críticas que o Bloco tem vindo a fazer à oligarquia russa, às suas ligações a poderosos grupos económicos portugueses (um deles com interesses diretos na comunicação social portuguesa) e a sucessivos governos, em particular o último governo PSD/CDS.

O editorial do Diário de Notícias de ontem [2 de março], escrito pela subdiretora Joana Petiz (entretanto corrigido), chegou mesmo a divulgar várias mentiras que qualquer jornalista sem agendas paralelas poderia facilmente ter evitado. Primeiro, que “o Bloco e o PCP rejeitaram participar em protestos contra a invasão russa”. Ora, como já foi dito, o Bloco apelou publicamente à participação na manifestação em frente à embaixada da Federação Russa. Não era sequer necessário que a subdiretora do Diário de Notícias tivesse questionado o Bloco sobre a sua posição, bastava que lesse os jornais.

Escreve também Joana Petiz que a recusa de participar nesta manifestação se baseia na “aparente desculpabilização do impulso russo”. O Bloco condenou desde o primeiro momento a intervenção de Vladimir Putin. Não há equívoco que justifique a referência da subdiretora do Diário de Notícias: o Bloco de Esquerda condenou em todos os momentos a invasão imperialista russa. Por fim, escreve que “o Bloco de Esquerda absteve-se” na votação em que o Parlamento Europeu condenou a invasão russa da Ucrânia. Ao contrário do que escreve, os dois eurodeputados do Bloco votaram a favor da condenação da Rússia.

Sabemos que há quem se incomode com a insistência do Bloco em denunciar a corrupção associada aos vistos gold e as ligações empresariais portuguesas a oligarcas russos. Mas não vale tudo. É a democracia que fica em causa quando se decide fazer do jornalismo uma máquina de desinformação ao serviço de qualquer interesse que não a verdade dos factos.

Artigo publicado no jornal “I” a 3 de março de 2022

Sobre o/a autor(a)

Deputada e dirigente do Bloco de Esquerda, licenciada em relações internacionais.
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