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Inclusão e necessidades especiais da Escola
“Inclusão total de alunos com necessidades especiais significativas: uma mera ilusão?” É o título de um artigo de Luís de Miranda Correia (professor catedrático aposentado, da Universidade do Minho), no Público de 10/10/2022.
Um artigo que não pode deixar de despertar a atenção de pais e ou encarregados de educação (EE) de alunos com acrescidas dificuldades (de ordem física, cognitiva ou, mesmo, de multideficiência) de aprendizagem e, em geral, socio-educativas.
De facto, é-lhe difícil não permanecer minimamente atento às concepções (académicas, profissionais, institucionais, políticas) neste domínio, sobretudo, ao como, quanto e quando elas lhe podem indiciar de esperança na inclusão (e, por esta, na evolução) dos seus filhos e ou educandos na sociedade. No que a Escola, mormente a Escola Pública, é determinante.
Não há aqui, evidentemente, a mínima pretensão de esboçar qualquer opinião sobre o referido artigo, até porque o autor invoca a ciência como fundamento da sua posição e não é esse o prisma (nem a competência, capacidade) desta reflexão, a não ser no quanto desse artigo se possa deduzir como de interesse quanto ao que pode resultar, ou não, de melhoria socio-educativa destes alunos na opinião que assume.
Isso não impede de se afirmar que há nesse artigo uma assumida crítica aos conceitos teóricos, legislativos e institucionais que ultimamente têm sido referência para a Escola no ensino destes alunos. Sobretudo quando, nesse artigo, o seu qualificado e experiente autor culmina na conclusão de que a prática de tais conceitos se têm traduzido num “marasmo”, “podem ser factor do maior insucesso” dos alunos e, mesmo, de lhes suscitar o risco do que designa por “maus-tratos académicos”.
Entretanto, o artigo não esclarece a dúvida, possível, de se esses riscos decorrem essencialmente desses conceitos, em si, ou, “apenas”, da falta ou insuficiência da sua efectiva concretização quanto a coerente organização, meios e aplicação prática.
Há que reconhecer que quem EE de alunos nesta condição, progressivamente pelo menos de há três décadas para cá, veio a ter razões para alimentar expectativas, esperança, no que, pelo menos do ponto de vista dos conceitos teóricos e da regulamentação, se evoluiu neste domínio: do conceito de “alunos portadores de deficiência” para o de “necessidades educativas especiais” (vulgarizado pela sigla NEE) e, agora, mais assumidamente, para os de inclusão e escola inclusiva.
Da legislação dos anos 90 (que alargou a resposta educativa “especial” a dar a estes alunos também ao ensino particular e cooperativo), até ao enquadramento normativo actual, de 2018, houve uma progressivo enriquecimento de referências humanas, sociais e, mais especializadamente, educativas na regulamentação deste domínio.
A inerente legislação de 2008, apesar de pretendida como mais ancorada na relacionada Declaração de Salamanca (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura), de 1994, ficou muito aquém (e mais ainda a sua prática) do horizonte referencial de “educação inclusiva em forma de lei ou de política” da Declaração de Salamanca. Se bem que se progredisse, e muito, no objectivo de “matricular de todas as crianças em escolas regulares, a menos que existam fortes razões para agir de outra forma”.
Aliás, outros suportes normativos internacionais são passíveis de serem invocados para sustentar este princípio (e prática) da inclusão na Escola visando que todos os alunos, independentemente das suas (sempre) “especiais” diferenças (desta ou daquela natureza, mais ou menos acentuadas), tenham direito e usufruam da satisfação das suas necessidades educativas, sobretudo quando estas são mais diferenciadas e acentuadas. Como é permanente esperança dos seus pais e encarregados de educação, como tal, bem como, em geral, da sociedade pelo sustentado pressuposto do benefício social daí decorrente.
É claro que tal esperança se pode desvanecer no eventual desinteresse do poder político por este domínio. Por exemplo, quando um Ministro da Educação diz publicamente que “esses alunos estão integrados na turma mas não estão. Pertencem à turma mas, na realidade, dadas as suas necessidades, não convivem com os alunos daquela turma. É mais uma questão administrativa que mais nada” (Professor Nuno Crato, como Ministro da Educação, em 12/09/2013, no início do ano lectivo 2013-2014).
De qualquer modo, em 2018, foi publicado para logo ser aplicado desde o ano lectivo de 2018/2019, um novo diploma,, o qual renovou as expectativas (ainda que cautelosas) na evolução da (na) Escola para reais objectivos de “educação inclusiva” (abandonando o conceito de “necessidades educativas especiais”) com base em novos princípios, como, por exemplo: a “educabilidade universal”, a “equidade”, a “personalização”, a “flexibilidade”, a “autodeterminação”, o “envolvimento parental” e a “interferência mínima”.
Importante também para essa expectativa na reorientação político-educacional e social nesta área, a definição de inclusão como sendo “o direito de todas as crianças e alunos ao acesso e participação, de modo pleno e efectivo, aos mesmos contextos educativos”, o que pressupõe, para além da perspectiva de se visar a passagem da (mera) integração para a inclusão e, nesta, da inclusão individual(izada) de cada um para a inclusão de todos e, por esta, na inclusão de cada um.
Enfim, pareceu haver base para esperar na (da) Escola um avanço concreto, efectivo, na “educação inclusiva”, com tanta evolução conceptual e legislativa a desenvolvê-la e a sustentá-la.
Aliás, num artigo publicado dois dias depois (“A pandemia imaginada da ‘Inclusão Total’” – Público, 12/10/2022) , o Professor David Rodrigues (Conselheiro Nacional de Educação), para além de discordar manifestamente do artigo do Professor Luís de Miranda Correia (inclusive quanto ao conceito que este designa por “inclusão total”, não só por esta expressão não ter qualquer referência legislativa mas porque “confunde o que é o carácter transversal da inclusão”), cita a opinião de há meio ano de um grupo de peritos internacionais da OCDE em que afirmam que “desde 2018 Portugal desenvolveu um conjunto legislativo abrangente sobre Educação Inclusiva (…) Isto incluiu esforços significativos para promover maior flexibilidade e autonomia aos atores locais, incluindo as escolas”.
Contudo, também não se pode deixar de dar atenção ao mesmo Professor David Rodrigues quando, antes, noutro local, já reconheceu que “encontramos frequentemente um enorme descompasso entre o que as instituições dizem e as práticas que desenvolvem” e “o que está escrito não estar a ser cumprido”, muito porque a inclusão não é só “intervenção sobre o aluno, é também sobre os envolvimentos”. (revista “Educação Inclusiva” - volume 8 –Nº 1, de Julho de 2017).
O que leva à reflexão de que também na Educação, mesmo talvez especialmente na Educação, não é por estar (re)escrita e publicada que a Lei (qualquer lei) verdadeiramente existe mas, sim, por ser efectivamente aplicada no “terreno”, ou seja, quanto ao concreto âmbito, objecto e objectivo da sua letra e espírito.
Neste sentido, como quanto a qualquer outro domínio (saúde, justiça, trabalho, etc), também na Escola, se antes havia o risco de não termos educação inclusiva por não termos respectiva Lei, também risco há agora de não termos (realmente) Lei por não termos (realmente) educação inclusiva.
É certo que, seja como for, com ou sem lei, com ou sem a sua efectiva aplicação, pelo menos do ponto de vista dos princípios, na Escola, tão absurdo é o pressuposto de a inclusão não ser minimamente educativa como a educação não ser minimamente inclusiva.
De qualquer modo, resta daqui a pergunta (cuja importância da resposta mais se acentua para EE de alunos com esta condição) de até que ponto neste domínio há, ou não, na Escola, suporte (estratégia, organização e meios) para a “intervenção sobre o aluno e também sobre os envolvimentos” (citando novamente o professor David Rodrigues).
Pergunta que se desdobra e concretiza em várias outras, por exemplo: que estruturas? Que pessoas (professores, técnicos, auxiliares operacionais) e sua suficiência, formação, qualificações, capacidades (sensibilidade, motivação, determinação…) e condições de emprego, de carreira e sobretudo de trabalho? Que organização? Que meios? Que direcção / gestão?
É importante, sim, a discussão e reflexão sobre os conceitos. Mas, concluindo ainda neste registo interrogativo, até justamente pela bondade desses conceitos e visando a sua efectiva concretização, que satisfação das correspondentes necessidades especiais da Escola (“NEE”)?
João Fraga de Oliveira é pai e encarregado de educação
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