Imbróglio em Espanha

porFrancisco Louçã

10 de junho 2023 - 13:30
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Se a eleição antecipada salvará Sánchez, é hoje impossível de prever. A questão que nos deixa, ganhando ou perdendo, é a mesma: pode-se governar sem políticas sociais estruturantes no emprego e na vida?

Uma das expressões da efemeridade das opiniões e da contaminação que as redes sociais impõem à política é a impunidade das bruscas viragens das mesmas pessoas na interpretação de sequências de acontecimentos. Se me permitem, isto não é um detalhe menor, dado que a intermediação na opinião pública, interessada que ela fosse, deixou de se apresentar como uma grelha de análise e passou a ser predominantemente um jogo de interesses com cartas marcadas totalmente concentradas no imediatismo. É o que leva, em casos abundantes, à ocultação das necessárias declarações de interesses e a um jogo de sombras em que o efeito de curto prazo é preferido ao respeito pela coerência. Olhe para o exemplo mais recente: então não houve quem aplaudisse a artimanha tão brilhante de António Costa ao manter Galamba e assim fintar o Presidente? Foi há um par de semanas, mas essa manobra genial já ficou sepultada pelo frenesim dos acontecimentos seguintes e poucos dos seus aplaudidores se lembrariam agora de reivindicar o brilho dessa escolha, transformada numa pantanosidade embaraçosa.

Vem isto a propósito de como foi comentado o salto para a frente de Pedro Sánchez em Espanha: derrotado nas eleições pela perda de um milhão e meio de votos, mas ainda assim com 28,2% contra 31,5% do principal partido de direita, o PP, decidiu convocar eleições-relâmpago para obter uma polarização que mantenha o seu governo. Se o conseguir, será um tático brilhante e estava tudo no rumo certo; se perder o governo, adivinho que os mesmos dos seus apoiantes virão a dizer que teria sido necessário corrigir a tempo o esboroar de políticas sociais nos últimos anos.

Sánchez ensina Costa?

Entretanto, uma das alegações mais extravagantes que li foi que Costa poderia, se os resultados sorrirem a Sánchez, tentar imitar o seu xeque-mate. Não sei bem se é só devoção partidária ou se é pura ignorância sobre Portugal o que motiva esse raciocínio. Em Espanha, como noutros países, o governo pode livremente antecipar e marcar a data das eleições. Em Portugal, para provocar eleições e não sendo o Presidente a decidir dissolver o Parlamento, o que só pode fazer em caso de crise institucional grave, teria o governo de provocar a sua própria demissão para gerar essa crise, deitando a toalha ao chão. E pago para ver o dia em que um primeiro-ministro com maioria absoluta se demite alegando não ter condições para governar e para pedir novas eleições para conseguir a maioria absoluta que assim lho permita.

As projeções em Espanha

Se a eleição antecipada salvará o governo de Sánchez, é hoje impossível de prever. A direita, com o PP em alguns casos aliado à extrema-direita, governará 12 comunidades autonómicas; o centro, o PSOE, ficou reduzido a 3, perdendo alguns dos seus bastiões; e nacionalistas bascos e catalães dominam as outras. A esquerda perdeu globalmente e parece ter-se esgotado o impulso político que se iniciou com as manifestações de 15 de maio de 2011 e que criou uma força hegemónica nesse espaço, o Podemos, que agora é disputado por uma das suas aliadas, Yolanda Díaz, que criou uma força concorrente e mais próxima do centro, mas com ímpeto novo. Em Madrid uma composição formada por dissidentes do Podemos consegue um resultado importante, aliás superando o PSOE, ao passo que o Bloco Nacionalista Galego consegue resultados espetaculares e o Bildu no País Basco começa a ser alternativa aos nacionalistas de direita. O Ciudadanos, o partido liberal que um dia foi aqui apresentado por Cavaco Silva como a esperança espanhola, desistiu.

Vários jornais fizeram o exercício de projetar os votos municipais para o plano parlamentar nacional. Segundo o “El Diario” ou o “El Mundo”, o PP poderia subir de 89 para 139 deputados, o PSOE passaria de 120 para 121, o Vox cairia de 52 para 17, o Podemos reduzir-se-ia de 35 para 20 na aliança com o novo partido Sumar

Quando escrevo ainda não foram publicadas sondagens, mas vários jornais fizeram o exercício de projetar os votos municipais para o plano parlamentar nacional, o que dá resultados curiosos, apesar de a extrapolação dever ser lida com cuidado. Por exemplo, segundo o “El Diario” ou o “El Mundo”, o PP poderia subir de 89 para 139 deputados, o PSOE passaria de 120 para 121, o Vox cairia de 52 para 17, o Podemos reduzir-se-ia de 35 para 20 na aliança com o novo partido Sumar, embora esta seja uma das maiores incógnitas das eleições. Os nacionalistas reforçar-se-iam em todo o estado. Com estes resultados, não seria viável um governo de direita.

Uma polarização que indefine

Assim sendo, a aposta de Sánchez poderia resultar. Como o voto nacionalista é consolidado, o PSOE tentará ganhar na derrota das esquerdas com que se tinha aliado. Usa para isso dois argumentos: Feijóo, o líder do PP, não hesitará em incluir a extrema-direita no governo, com o preço de arrastar um autoritarismo que recusa uma política de transição energética e uma obsessão fatal contra as lei que protegem as mulheres, entre outras bizarrias; e condiciona o espaço à sua esquerda, favorecendo o predomínio, hoje certo, de Yolanda Díaz, a vice-primeira-ministra que Pablo Iglesias indicou em sua substituição. Por outro lado, o desgaste da experiência deste governo de aliança é certo, dado que teve momentos altos, em políticas de igualdade, mas também sinistros, como a traição à luta histórica pela autodeterminação sarauí. No entanto, a questão que nos deixa, ganhando ou perdendo, é sempre a mesma: pode-se governar sem políticas sociais estruturantes no emprego e na vida? Mesmo que Espanha não tenha cedido a privatizações e a políticas de empobrecimento como Portugal, a comparação é pesada, os governantes não parecem ter qualquer objetivo senão sobreviver. E isso é nada.

Artigo publicado no jornal “Expresso” a 2 de junho de 2023

Francisco Louçã
Sobre o/a autor(a)

Francisco Louçã

Professor universitário. Ativista do Bloco de Esquerda.
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