O termo ageism (idadismo) foi introduzido em 1969 por Butler definindo-o como um processo de “estereótipos e discriminação sistemática contra as pessoas por elas serem idosas, da mesma forma que o racismo e o sexismo o fazem com a cor da pele e o género”. O idadismo muitas vezes é cruzado e interage com outras formas de estereótipos, preconceitos e discriminações, incluindo o capacitismo, o sexismo e o racismo. Os preconceitos múltiplos somados pioram ainda mais os efeitos do idadismo sobre a saúde e o bem-estar dos indivíduos.
A expressão de preocupação e de contestação para com estas erróneas generalizações tomaria maior visibilidade a partir da II Assembleia Mundial para o Envelhecimento, realizada pela ONU na cidade de Madrid, em Abril de 2002, de onde surgiria um Plano de Ação Internacional com o intuito de se promover uma imagem positiva do envelhecimento, bem como um maior reconhecimento público da autoridade, da sabedoria, da produtividade e outras contribuições importantes das pessoas idosas.
No entanto o idadismo continua enraizado na nossa sociedade que caracteriza as pessoas mais velhas como pouco produtivas, frágeis e incapazes. Esta estereotipia é reforçada no caso das mulheres. De acordo com relatório da CIG elas acumulam um conjunto de fatores que as deixam numa situação de maior vulnerabilidade e risco social: escolaridade mais baixa do que a dos homens, maior risco de pobreza, menor número de anos de vida saudável. Apesar de terem maior esperança de vida,têm pior qualidade de vida do que os homens.
As mulheres mais velhas confrontam-se com o culto da beleza e da vitalidade presente na sociedade capitalista de raízes patriarcais. Basta vermos a quantidade de tratamentos e cirurgias de rejuvenescimento oferecidas pela publicidade, para a qual tudo o que faz lembrar velhice é descartado.
É neste contexto que a UMAR (União das Mulheres Alternativa e Resposta) desenvolveu um estudo que abordou o envelhecimento feminino numa perspetiva interseccional[1].” Uma das conclusões deste estudo é que a não valorização da experiência pessoal constitui para 50% das mulheres algo muito sentido, pois representa a desvalorização de saberes adquiridos durante uma vida. Em relação a sentirem-se ou não discriminadas 52% dizem que já sofreram situações de discriminações na velhice. Este estudo sobre o idadismo de género conduziu à identificação de diversos fatores:.
1. As condições económicas e sociais influenciam a forma como se vive o processo de envelhecimento, em especial das mulheres, pelas reformas e pensões exíguas e mais baixas do que as dos homens.
2. Existem formas diferentes de encarar o envelhecimento como um novo período de valorização da vida ou um tempo de maiores dependências e de solidão. “Uma oportunidade de valorizar cada vez mais a riqueza da vidaem cada momento, de valorizar o essencial e desligar-me do supérfluo e de saber guardar a capacidade de me encantar, de acreditar e de não desistir de lutar pelas causas em que acredito”. Ana Zanatti, 73 anos, Atriz, Jornalista e Escritora
3. Os media desvalorizam as mulheres com mais de 60 anos, assim como a publicidade e as redes sociais.
4. A falta de valorização das experiências das mulheres e das suas opiniões agrava-se com a imagem que é transmitida – de avós sem vida própria.
5. O corpo é a principal preocupação no processo de envelhecimento. As mulheres passam a ser assexuadas a partir de certa idade e os homens não.
6. Existe por parte de muitas mulheres que participaram no estudo uma perspetiva emancipatória de encarar o envelhecimento, o que é muito positivo.”
Segundo uma investigação da Universidade Sénior Contemporânea [2] “impõe-se a adoção de uma estratégia de combate ao idadismo a vários níveis:
1 – A nível político-social, a elaboração e implementação de um Plano Nacional Gerontológico que contemple: a promoção da imagem positiva do ser-se idoso, da velhice; a promoção e a utilização do elevado potencial de contribuição dos idosos como membros de uma sociedade, destacando os seus valores, a sua experiência de vida, a sua sabedoria, entre outros; a promoção dos benefícios de uma saudável relação entre gerações.
2 – Maior difusão através dos mass media de medidas que promovam as imagens positivas acerca do envelhecimento, bem como o maior reconhecimento público da autoridade, da sabedoria, da produtividade e outras contribuições consideradas de extrema importância acerca das pessoas idosas, como é preconizado pelo Plano de Acção Internacional, emanado em 2002 pelas Nações Unidas3 – alteração da atual forma de difusão por parte da maioria dos mass media (TV, rádio, internet, jornais, entre outros), no sentido de incluir, divulgar e destacar nas suas mensagens a heterogeneidade (variabilidade interindividual) e a multi-direcionalidade próprias de qualquer grupo de idosos, sem utilizar conteúdos discriminatórios;
4 – Envolvência da comunidade científica na abordagem de distintas temáticas gerontológicas/geriátricas, quer através dos mass media, quer através da realização de fóruns, jornadas, congressos, entre outros, pois desta forma desmistificam-se as concepções erróneas e injustificadas e credibiliza-se a veiculação da informação
5 – Combater a internalização do idadismo através da valorização da criando-se o controlo da sua vida por parte das pessoas idosas, à autonomia capacidade de controlo da sua vida evitando-se a institucionalização precoce e dando a possibilidade de as pessoas poderem escolher esta ou outras soluções.”
A escassez de respostas sociais perspetivadas até ao momento, baseadas, sobretudo, na institucionalização das pessoas em lares a rebentar pelas costuras e que não respondem à procura, penaliza, sobretudo, as mais carenciadas, que ficam “em infindáveis listas de espera”. Urge que o Estado assuma a responsabilidade das respostas às necessidades das pessoas mais idosas, através do aumento das reformas e pensões, dos centros de dia, do apoio domiciliário e de lares públicos.
Entretanto, como defendi num artigo publicado em 2019 no esquerda.net, a institucionalização precoce não constitui uma solução que garanta a necessária qualidade de vida às pessoas com idades mais avançadas, já que lhes é exigido o abandono do seu espaço, obrigando-as a integrar-se num meio que é limitativo e que, na maioria dos casos, assume o controlo da sua vida. De facto, estudos feitos a várias instituições que acolhem idosos mostram que as mesmas, para além de retirarem toda a privacidade aos seus utentes, promovem uma extrema dependência e inatividade, que, por sua vez, potenciam uma maior incapacidade física e mental e consequentemente promovem a internalização do idadismo.
Face a esta realidade transversal a muitos países, têm surgido desde 1970 projetos de coabitação colaborativa sénior, cohousing, que se multiplicaram em muitos países europeus e na América do Sul. Na vizinha Espanha, em poucos anos já encontramos cerca de 30 iniciativas, em funcionamento ou em desenvolvimento.
Estes projetos promovem “aldeias” sénior em zonas rurais ou urbanas, onde as pessoas desfrutam de habitação própria, mas vivem em regime colaborativo, numa espécie de “república”, usufruindo de espaços de atividade e convívio comuns e do apoio de equipas multidisciplinares. Em alguns casos, integram pessoas de várias gerações, nomeadamente de jovens que adotam este estilo de vida.
Independentemente de terem origem na iniciativa cooperativa ou pública, a maioria dos projetos adotam regras e serviços de apoio partilhados para quem os integra, constituindo uma alternativa aos lares de idosos e à fatalidade de os mais velhos ficarem a viver sozinhos quando não têm retaguarda familiar e não lhes resta outra hipótese.
A meu ver, esta é a melhor alternativa para quem mantém autonomia e considera importante continuar “senhor/a da sua vida”, pelo que deveria ser abraçada pelo Estado, por forma a garantir o acesso à qualidade de vida de todas as pessoas, independentemente do seu extrato económico e social, ou contexto familiar.
Em Portugal têm sido dados alguns passos no sentido de se encontrarem novas soluções para o envelhecimento. A Portaria n.º 269/2023 de 28 de agosto que estabelece as condições de instalação, organização e funcionamento a que deve obedecer a resposta social de Habitação Colaborativa e Comunitária, poderá ser um passo nesse sentido, mas ao privilegiar a entrega de projetos a instituições de solidariedade social, em detrimento da intervenção do setor público e cooperativo, compromete o caráter emancipatório do modelo da habitação colaborativa baseado na participação das pessoas em todas as fases do projeto.
Artigo publicado em Interior do Avesso a 13 de maio de 2024