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A humanidade congela na fronteira

Em vez de sanções, a UE valida como democráticos os estados protofascistas da Polónia ou da Hungria. Lukashenko é um ditador com métodos ignóbeis. E a Europa democrática, é exemplo de quê?

Em 2019, a missão europeia de observação às eleições na Bielorrússia não reconheceu os resultados que deram a vitória esmagadora a Lukashenko. No poder há 25 anos, o ditador terá manipulado as eleições na sua tentativa para silenciar a Oposição interna.

A resposta da União Europeia (UE) foi dura, com a aplicação de sanções ao país. No contra-ataque, Lukashenko agenciou a entrada de refugiados do Médio Oriente, empurrados pelo desespero da guerra e atraídos por uma mentira: a existência de uma política de acolhimento e integração de refugiados na UE.

Uma vez chegados a Minsk, na Bielorrússia, estas pessoas foram encaminhadas para a fronteira externa da UE, junto aos países bálticos mas, sobretudo, à gigante Polónia. "Estamos perante um ataque híbrido de um regime autoritário, numa tentativa de desestabilização dos seus vizinhos democráticos, que não vai ser bem-sucedida", declarou a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen.

Os propósitos de Lukashenko são claros. Para pressionar a UE a levantar as sanções, o ditador instrumentaliza milhares de pessoas, incluindo crianças, que morrem de frio e desidratação. A manobra não pode passar impune. No entanto, em vez de uma solução diplomática - por via de sanções ou outra -, o que fez a Polónia, Estado-membro da UE, o tal "vizinho democrático" que von der Leyen mencionava? O Governo de extrema-direita polaco, que se tem destacado por limitar a liberdade de imprensa e degradar a separação dos poderes politico e judicial, militarizou a fronteira, atacou os refugiados e impediu o acesso de jornalistas e associações humanitárias ao território. Depois de uma lei que impede os refugiados de pedirem asilo e que determina a sua expulsão sumária, o Governo de Morawiecki aprovou também a construção de um muro ao longo da fronteira. Não é o único. Na Europa que tanto se indignou contra o muro de Trump, na Europa vencedora do Nobel da Paz em 2012, são poucos os países que não se cercaram de muros e arame farpado, fazendo de um problema social e humanitário uma ameaça à segurança.

Um Governo de extrema-direita afirma-se na Polónia contra uma invasão que na verdade é um cortejo de menos de três mil vítimas privadas de qualquer dignidade. O "vizinho democrático" da ditadura bielorrussa, a Polónia subscritora de todas as convenções internacionais de direitos humanos, deixou morrer 13 pessoas, entre elas uma criança de um ano, até deixar entrar ajuda humanitária.

Em vez de sanções, a UE valida como democráticos os estados protofascistas da Polónia ou da Hungria. Em vez de uma política de acolhimento de refugiados e imigrantes, gasta-se milhares de milhões de euros em respostas militares, ou até a pagar a outros vizinhos de iguais pergaminhos democráticos, como a Turquia ou a Líbia, para servirem de tampão repressivo aos fluxos de pessoas. É irrelevante para a UE que nenhum destes países sequer reconheça as convenções internacionais de direitos humanos .

Lukashenko é um ditador com métodos ignóbeis. E a Europa democrática, é exemplo de quê?

Artigo publicado no “Jornal de Notícias” a 23 de novembro de 2021

Sobre o/a autor(a)

Deputada. Dirigente do Bloco de Esquerda. Economista.
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