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A hora dos recibos verdes
Não é que não dissesse respeito a muita gente: à época, calculava-se em 900 mil os trabalhadores que estavam nesta condição. Mas não tinham voz própria, raramente se reconheciam nos sindicatos que existiam e é como se cada pessoa vivesse sozinha essa condição. A maioria dos que entravam no mercado de trabalho nunca tinha conhecido outra realidade. Mas o campo político estava longe. Quando a primeira petição do Fartos d’Estes Recibos Verdes chegou ao Parlamento, em 2008, mandaram-nos reunir com a comissão de Finanças, e não do Trabalho: o presidente da Assembleia achava que “falsos recibos” devia ser matéria de falsificação de faturas. Só quando reuniu com os promotores é que percebeu do que se tratava.
Entretanto, fez-se caminho. Nasceram outras associações e movimentos, como o May Day ou os Precários Inflexíveis. Multiplicaram-se reportagens nos media dando conta da existência de um “precariado” com um peso cada vez maior. Os partidos começaram a pegar no assunto. E a partir de 2011, com a Geração à Rasca e as manifestações contra a Troika, a precariedade ocupou o centro do debate político. Era impossível ignorar a questão.
As explicações sobre a raiz do problema divergiam. Nas visões liberais sobre a economia, retomou-se o velho argumento de que a “dualização do mercado de trabalho”, com um núcleo pequeno de trabalhadores com direitos e um mar de precários à volta, era resultado de uma legislação demasiado “garantista”. A leitura dos movimentos de precários, pelo contrário, insistia que o problema não era a lei dar demasiados direitos: era Portugal ter-se tornado num offshore laboral, com a transgressão legal a transformar-se na regra, com o Estado a fechar os olhos a esta selva e com os trabalhadores desprotegidos sem capacidade de fazerem valer o mais básico dos direitos: o de terem um contrato de trabalho.
Esse processo não era novo, mas tornava-se insustentável. O regime de trabalho por conta própria vinha do início da década de 1980, mas foi em 1992, com um governo de Cavaco Silva, que se abriu a porta ao abuso da sua utilização generalizada. Os recibos verdes tornaram-se desde então no principal veículo da precarização laboral em Portugal, mascarando relações de trabalho subordinado, como se o patrão fosse afinal um “cliente” e como se o trabalhador tivesse todos os encargos (de contribuições desajustadas e impostos) e nenhum direito.
Foi na sequência das mobilizações de 2011 e dos anos seguintes que isto começou a mudar. De facto, a única transformação positiva na legislação do trabalho na última década resultou de uma iniciativa de cidadãos, na sequência das manifestações de precários. A Lei Contra a Precariedade foi proposta diretamente, em 2012, por mais de 35 mil cidadãos e saldou-se numa vitória.
Apesar de ter sido limitada no âmbito inicialmente proposto (que incluía o combate à contratação a prazo e ao trabalho temporário), o Parlamento aprovou a Lei 63/2013, que reforçou os poderes da Autoridade para as Condições do Trabalho no combate aos falsos recibos verdes e instituiu uma Ação Especial de Reconhecimento da Existência de Contrato de Trabalho. Houve algumas centenas de trabalhadores que, com esta lei, passaram a ter contrato. Mas é preciso que sejam centenas de milhares. Para isso, a lei tem de ser reforçada, a Autoridade para as Condições do Trabalho tem que ter mais meios e mais competências, o âmbito do procedimento que se criou deve estender-se a outras situações para além dos recibos verdes. Por outro lado, as contribuições de quem continua a trabalhar a recibo verde têm de mudar totalmente, para alargar a proteção social, acabar com a perseguição nas dívidas e com montantes sem relação com o que se ganha de facto.
Este é o tempo de fazer essa diferença. Para isso, não basta ter deputados que simpatizem com a causa – é preciso que as pessoas metam pés ao caminho e exijam agora respostas concretas para a sua vida. Enquanto uma parte do país político se entretém a discutir-se a si próprio, há que não desperdiçar a oportunidade que é aberta pela nova maioria que se formou e pelos compromissos que assumiu. A começar também por temas como este.
Artigo publicado em expresso.sapo.pt em 4 de dezembro de 2015
Comentários
Admiro esta escrita,
Admiro esta escrita, politicamente correta, mas estes jovens que trabalham para um só patrão, os RVs continuam e todos nós sabemos, ouvimos e lemos que todos levantam a voz, lançam ideias, nas campanhas eleitorais, porém, tudo continua na mesma! Neste ponto, todos os partidos desde um CDS ao PCP, prometem acabar com os RVs, mas ninguém até hoje levou isto a sério. É preciso um resposta concreta. Aponto a CM Arouca, têm alguns jovens a RVs ( talvez uma dúzia), há mais de 6 anos, trabalham 8 horas por dia e às vezes mais, só trabalham para a CMA, pois o tempo não dá para mais. É o PS que tem a presidência de CMA, há mais 18 anos. Como é possível ninguém se interessar por esta injustiça?
Acredito no BE ou em qualquer outro partido, quando esse partido acabar com esta situação. O meu voto está garantido e o voto de muitos jovens. Eles bem sabem que sempre lutei, dando a cara, mesmo que fosse contra o meu partido. Acabem com o politicamente correto e resolvam tais situações. Nunca me filiei em nenhum partido, nem tenciono fazê-lo, mas nas ultimas eleições levei alguns jovens a dar o seu voto a C. Martins porque era a que dava mais esperança para acabar com os RVs: o meu voto e o voto de muitos jovens ficará cativo, se de facto esse partido acabar com RVs.
Porque não enviar uma resposta a estes jovens e tantos outros por esse Portugal fora!
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