É suposto que os contratos de associação do Estado com escolas privadas se destinem a garantir o direito ao ensino gratuito para os alunos que não cabem na escola pública. O governo aplicou cortes no financiamento destes contratos de associação, mas continua sem querer enfrentar de frente o problema.
Continuam a existir muitas escolas privadas subsidiadas ao lado de escolas públicas que não esgotaram a sua capacidade e a legislação agora aprovada não apresenta dados objectivos para definir o que é uma “zona carecida de rede pública”. Paralelamente, o governo não tem sequer uma estratégia de investimento na rede pública onde ela possa não existir. Percebe-se bem por que motivo não quer meter o dedo na ferida. O peso da Igreja e de grupos económicos aconselha cautela. Por isso, o reajuste financeiro nos contratos de associação foi apenas mais um efeito colateral do imperativo da austeridade, sem a coragem de fazer uma reforma que valorize a Escola Pública e que vá tornando obsoleto o subsídio ao negócio privado.
Haverá casos de escolas em que o dinheiro dos contratos de associação é de facto investido num ensino de qualidade e onde ainda não existe alternativa pública. Mas há outras que florescem ao lado de escolas públicas. E umas e outras - quase todas - conseguem pôr uma turma a funcionar por muito menos de 80 mil euros (o valor agora fixado pelo governo). É que os salários no privado são em regra inferiores aos do público, principalmente os dos professores menos antigos, que são os que mais abundam neste sector, quase sempre em rotação para ficar mais barato. Sucedem-se também os abusos nos horários. Na verdade, desde sempre que muitas destas escolas chantageiam professores e funcionários, sem vigilância das entidades públicas competentes. Daí a hipocrisia das manifestações, encenadas ao milímetro, levando pais e alunos - através de uma espécie de chantagem psicológica (“se não a escola fecha!”) - a gritarem pelo direito ao ensino, quando de facto estão a lutar pelo direito a manter cheios os bolsos dos donos dos colégios.
Finalmente, aos ideólogos da direita que papagueiam a liberdade de escolha da escola, há que dizer que essa liberdade sempre existiu. O que queriam é que ela fosse exercida à custa do dinheiro de todos os contribuintes, para alimentar lucros privados e abusos sobre trabalhadores. E ao governo que quer aparecer nesta história como grande defensor da centralidade da escola pública, há que explicar que a escola pública vai de pantanas. O corte previsto de mais de 800 milhões de euros e o despedimento massivo de professores já no próximo ano lectivo comprometem o combate ao insucesso e abandono escolares e a garantia do alargamento da escolaridade obrigatória.