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As hienas riem

A mais estúpida inteligência neoliberal pôs a patorra aguçada sobre a Europa e pretende vencê-la através do esgotamento, uma espécie de massacre sistemático, uma zoada permanente nos ouvidos e porrada, muita porrada nos direitos, nos salários e na vida.

Os mercados tremem de vez em quando de febre de rapina.

Têm vertigens, suores frios, as bolsas como pulmões doentes ficam irrespiráveis. Estonteiam, deliram, colapsam de doença má. Os mercados.

 

Um Portugal triturado. Aos pedacinhos. Um país em picado.

Os países deixaram de ser países e viraram conceitos.

Países do sul. Países mediterrâneos. Países clonados de Grécias.

Os países deixaram de ser aquela coisa a que se chamava nação. Deixaram de ter um passado, um presente e um futuro. Perderam a língua. Só falam um linguajar numérico, um dialeto cifrado. Foi o que sobrou.

Das línguas sobraram as vírgulas com que se ataviam os números, essa abstração que também vai deixando de ter significado. Se esta gente ganhar não vai sobrar nada do que fomos e nada é aquilo que seremos. Os países serão apenas vastas áreas de experimentação. Corta aqui, impõe acolá. Não dá? Então corta mais além. Ainda não dá? Então risca.

Quase se lhes ouve o cálculo. Não é propriamente pensamento. É só cálculo. Não é raciocínio, por muito mau que seja. É efetivamente só cálculo. Mecânico. Cego.

 

O governo está-se, agora, nas tintas para a compostura. Mesmo para a compostura impostora. Está-se nas tintas. Mantém Relvas, o impostor mor, ameaça, agride, descompõe já descomposto, sem perfil e sem aprumo, a miséria da falta de ética à mostra, vaiado, assobiado, insultado e toca andar, havemos de chegar a sítio nenhum, ou talvez a um prometido paraíso contabilístico, sem gente, ou com gente que perdeu o aspeto de gente.

 

Este país é agora um barco com tripulação incompetente sem direção, sem capitão, com um imediato meio lumpen. Ou lumpen e meio. Ministros lumpen. Andam sempre por recantos e cantos inconfessáveis. Em ambiências turvas, onde a luz não é bem-vinda.

 

A mais estúpida inteligência neoliberal pôs a patorra aguçada sobre a Europa e pretende vencê-la através do esgotamento, uma espécie de massacre sistemático, uma zoada permanente nos ouvidos e porrada, muita porrada nos direitos, nos salários e na vida.

 

Os inteligentes pertencem à Internacional da extorsão. Uma extorsão sideral, em que tudo é feito como se fosse natural, aceitável. A legalização do crime. A validação do flagelo.

Querem a Europa silenciada, face ao gueto da Grécia e dos outros países que se estão a ver gregos com a crise e o défice. Orçamentos, cimeiras, gráficos e pareceres, que parecem ter parecenças com outros que a história já tinha rasgado e deitado fora, são agora a síntese dos dias. A raça ariana europeia e os judeus gregos, portugueses, espanhóis e o que por aí está por vir, esperam todos o final deste campeonato. Pode haver prolongamento. Enquanto isso a democracia vai-se arrastando em farrapos, em escombros, eternamente adiadas as obras de conservação, obras eternamente proteladas, como as do Pártenon, a esboroar-se de cansaço à nossa frente.

 

No século passado, toda a Europa assistiu sentada ao início da guerra, sem levantar um dedo contra a anexação da Áustria, a invasão da Polónia etc., etc., etc.

Toda a Alemanha assistiu sentada ao extermínio dos judeus, ao holocausto, mesmo quando o fumo se introduzia dentro das narinas. Depois choraram todos, hipócritas, dilacerantemente destruídos, cúmplices, cruéis. Juraram e tornaram a jurar o fim das ditaduras, e juraram e tornaram a jurar a democracia como o melhor dos regimes, com o estado social a dar-lhe forma.

 

Agora riem disso tudo. As hienas riem.

 

Havemos de cobrar-vos o preço desta ansiedade. Havemos de cobrar-vos a empáfia, a gabarolice, o paleio de paspalho, o cálculo de chico esperto, a nossa miséria, o coma dos nossos sonhos, a derrota da utopia. Hão-de pagá-las uma a uma, cada noite de insónia, o enxovalho da casa perdida, a penhora no salário. A imundície da vossa contabilidade suja com que emporcalharam tudo há-de cair-vos em cima. Nessa altura diremos: aguentem.

Não pensem que ganharam. Nem sempre as hienas riem.

Sobre o/a autor(a)

Advogada, dirigente do Bloco de Esquerda. Escreve com a grafia anterior ao acordo ortográfico de 1990
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