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Há alunos a passar com sete negativas
No final de junho, saiu uma reportagem no jornal Público, onde se informava que, em algumas escolas do país, há alunos a passar com sete negativas. A retenção ou não de alunos não é assunto consensual na comunidade educativa, e diretores, professores e pais têm posições diferentes, mesmo entre si. Há um despacho normativo, com mais de uma década, que estipula que um aluno só deve ser retido em caso excecional, e o próprio CNE já emitiu um parecer contra o que chama a “cultura da retenção” praticada no nosso país. Há agrupamentos que o seguem e outros que não; há agrupamentos que escolhem ter uma estratégia diferenciada para alunos com problemas de aprendizagem e outros que não; há professores que conseguem trabalhar com os alunos e outros que não - e ainda há os que acham que isso é possível, enquanto outros sentem não ter condições. Não se trata aqui de culpabilizar uns e outros, mas de tentar entender por que motivo onde uns vêem possibilidades outros vêem obstáculos, e se diz, à boca cheia, que a escolha tem de ser entre desistir dos alunos e cair na tentação do facilitismo.
Por um lado, a taxa de retenção baixou no ano passado, mas a realidade é que há ainda cerca de 10 por cento de alunos retidos, logo a partir do 2.º ano de escolaridade. Ora, a retenção de qualquer aluno é uma escolha, e é essa escolha que temos de avaliar. Quando se retém uma criança no 2.º ano, a escola está a assumir que considera que, aos 8 anos, é possível já ter perdido o comboio, e que o melhor é ficar para trás; quando se retém um aluno no 5.º ano por ter negativa a Português e a Matemática, parte-se do princípio de que, no ano seguinte, esse aluno se sentirá mais motivado. Mas faz mesmo sentido não questionar se ficar para trás motiva de facto alguém, e se não será antes verdade que o aluno retido enfrentará, no futuro, as mesmas dificuldades, apenas com o estigma do chumbo a torná-las ainda mais intensas?
Todos sabemos que há crianças com comportamentos problemáticos e graves dificuldades de integração; muitos são miúdos francamente difíceis, desinteressados, a quem a escola não diz nada, e que acabam por desestabilizar as aulas. Mas “facilitista” é assumir este diagnóstico como justificação para uma questão de fundo: se há um problema na relação entre a escola e os alunos, o problema não pode ser só dos alunos (por exemplo, quando há turmas de 20 crianças em que 18 são repetentes, o problema antecede qualquer comportamento dos alunos em questão). A sociedade de hoje é radicalmente diferente do que era há 100 ou 200 anos, mas, no entanto, as metodologias pouco mudaram: os professores debitam a matéria, e espera-se que as crianças se sintam motivadas, sentadas e quietas ao longo de duas longas horas a olhar para o professor. Quem sai fora da norma é posto de lado, tem um problema, e um problema que não se resolve, remedeia-se: fica para trás. Já não pode ser assim! Temos bons exemplos do que é praticado em sala de aula, tanto aqui como noutros países, em que a educação é pensada globalmente, e são as escolas que se adaptam aos alunos. Se se espera que um cirurgião, um cientista ou um piloto de avião apliquem as últimas evoluções tecnológicas, para bem de todos nós, porque se continua a achar que o ensino de antigamente é que era bom? A escola tem obrigação de ir mais longe, porque sem alunos ela não existe. São eles que têm de estar no centro da sala de aula, e uma escola que não é capaz de integrar em pleno quem lá estuda é uma escola que tem, ela própria, um problema.
No fundo, o grande desafio é este: reaprender a pensar a educação, aceitar que o mundo não está parado e que as coisas agora não são piores, são só diferentes, e que talvez o nosso modelo escolar não esteja preparado para lidar com essa diferença sem sacrificar aquilo que lhe dá sentido: os alunos. Por isso, quando me dizem que há agrupamentos que escolhem passar alunos que noutras escolas reprovariam, eu penso: “ainda bem”. A realidade de um agrupamento que autoriza um conselho de turma passar um aluno com fraco aproveitamento é aquela que assume que é mais nefasto para ele ficar sem o seu grupo de origem, sem a sua base de apoio emocional - por vezes bem mais importante para o desenvolvimento global do que a quantidade de matéria que absorveu - e escolhe apostar nele. O Agrupamento de Escolas de Carcavelos é um bom exemplo: ao não desistir dos alunos e escolher ter estratégias contra o insucesso, não coloca apenas no aluno o ónus da culpa do seu falhanço. Escolas como estas incluem e abdicam do facilitismo de ir deixando crianças para trás - é altura de aprendermos alguma coisa com elas.
Comentários
Uma opinião bastante
Uma opinião bastante reveladora do que é, realmente, necessário na Educação.
Enquanto professor de Expressões (Expressão Dramática e Plástica) que sempre defendeu as equipas multidisciplinares, a redução de turmas para números que façam sentido num verdadeiro sistema de educação inclusiva, a inclusão das artes e expressões de forma a facilitar os métodos de aprendizagem e a trabalhar comportamentos e auto-estima e a formação continua de professores e auxiliares de educação; não poderia estar mais de acordo com esta opinião.
É preciso mudar o sistema de ensino tal como está desenhado há décadas. Os governos não podem olhar para a Educação como mais uma área onde se pode cortar verbas e encaixotar alunos, independentemente, das suas origens, culturas e estrato social.
Há "n" estudos que os governantes teimam em não levar em conta e que apontam outros caminhos. Não é só a questão economicista que está em causa, trata-se de uma opção ideológica muito baseada na teimosia e ignorância de senhores e senhoras que estão há décadas sentados a escrever currículos desadequados à realidade social e das comunidades educativas.
Vamos esperar que isto mude, mesmo que seja devagarinho!
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