Há um povo que não aceita ser espezinhado e que exige outro rumo

porCatarina Martins

28 de fevereiro 2013 - 15:37
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Os milhares que no sábado, 2 de Março, vão encher as ruas do país, sabem que este Governo é incapaz de tirar o país da crise. E fazem por Portugal o que este governo é incapaz de fazer: mostram à troika, à Europa e ao mundo, que há um povo que não aceita ser espezinhado e que exige outro rumo.

A sétima avaliação da troika começou, esta semana, marcada por uma charada, uma farsa e uma história da carochinha.

Uma charada porque, menos de uma semana depois do ministro das Finanças passar a defender mais tempo para atingir as metas do défice, logo apareceu o primeiro-ministro para nos avisar que mais tempo afinal não é mais tempo e que o governo continua a defender o que sempre defendeu. Neste particular universo linguístico em que vive o Governo, mais 12 meses para cumprir o défice não é mais tempo, é outra coisa qualquer.

A farsa é que a avaliação da troika começa com o resultado já conhecido à partida: cortar nas despesas sociais e cortar muito. Pouco importa que Portugal já seja o país em toda a Europa onde as despesas sociais mais desceram nos últimos dois anos. Foram menos 3.700 milhões de euros em 2011 e 2012, mas o Governo quer ir ainda mais longe e cortar mais 4.000 milhões de euros.

A história da carochinha, permanentemente repetida pelo PSD e CDS, diz-nos que o Estado é gordo, pesado e ineficiente. Um único problema com esta lengalenga. Não bate certo.

Portugal, depois dos cortes efetuados a 4 mãos pelo Governo e troika, gasta 4,9% em educação, contra 6,2% dos países da OCDE. Na Saúde acontece o mesmo, com a agravante da percentagem da fatura paga pelas famílias com os cuidados de saúde ser, em Portugal, quatro vezes superior à de França ou o triplo da que pagam as famílias inglesas.

Resta o último bastião da demagogia governamental. Os portugueses não podem pagar os salários de uma função pública pesada e sem paralelo na Europa. Falso. O peso dos salários públicos não passa dos 10,4% do produto, em Portugal, contra mais de 18% nos países nórdicos ou os 14% da média da zona euro.

Não foi o peso do estado social que nos trouxe à crise, mas é a destruição deste pilar da democracia que nos tem trazido à recessão em que nos encontramos. Menos estado social não representa apenas uma sociedade mais injusta, mas um país mais pobre e sem emprego.

2013, o prometido ano da viragem económica, tornou-se na terceira maior recessão desde 1975. Com o desemprego a quebrar todos os recordes e um nível de pobreza galopante, o governo apresenta-nos a sua solução: cortar ainda mais o investimento e nas funções sociais do Estado. Empobrecer ainda mais o país.

Na verdade, tudo a que o governo se propõe é prolongar prazos e as metas do défice, o que disse que nunca faria, mas sem abdicar da imposição de mais medidas de austeridade em cima das que estão já em curso.

Ou seja, o Governo quer mais tempo para mais austeridade, o que só pode resultar em mais recessão, maior desemprego e mais pobreza. É a espiral recessiva, agora em dose dupla.

Mais de um ano e meio depois da troika aterrar em Portugal, está na altura de avaliar as suas políticas e as do Governo. Erraram sobre a recessão, erraram sobre o desemprego, erraram na dívida (em nome do qual, supostamente, todos estes sacrifícios foram impostos). O memorando previa uma dívida pública 108% PIB no final de 2013. Ainda vamos no início do ano, e já vamos em mais de 122% e sempre a subir.

A dívida pública é, hoje, o principal encargo financeiro do país, a principal despesa do Estado. Custa mais do que o Serviço Nacional de Saúde, muito mais do que a Escola Pública. Sim, para sair da crise é preciso cortar, mas cortar na dívida e não no Estado Social.

Dizemo-lo há já dois anos e a realidade confirma-o: não há solução que não passe pela renegociação. O único caminho para sair da crise é a redução do principal encargo financeiro do país: a dívida pública. E hoje, com a recessão tremenda que o Governo e a troika impuseram ao país, não adianta já apenas reduzir as taxas de juro ou prolongar o tempo e o prazo para o pagamento da dívida.

Não há já solução sem reduzir o stock da dívida. Só essa redução permitirá, de forma sustentável, reduzir os juros que pagamos e que são a principal dificuldade para equilibrar as contas públicas.

Avaliação a avaliação da troika, o Governo espera por tudo estar fechado para comunicar ao país o que acordou.

Avaliação a avaliação o país fica pior. Cresce o desemprego e aumenta a recessão. Dirá depois que a avaliação foi positiva.

Por isso mesmo, o Bloco de Esquerda marcou para hoje este debate. O Governo tem de dizer o que está a negociar. Antes de o fazer e não depois. A democracia não se compadece com a política do facto consumado.

Sabemos que o Governo, depois de impor a maior carga fiscal de sempre, se prepara para diminuir novamente os rendimentos, desta vez com os cortes nos serviços públicos.

Os cortes do Governo serão as despesas adicionais das famílias. Deixar sem nada quem já pouco tem. Mais impostos para uns, abandono total para outros.

A democracia não é um jogo das escondidas nem um romance epistolar. O Governo deve prestar contas e afirmar publicamente o rumo que trilha. A oposição deve afirmar a alternativa que propõe. Alternativa em confronto, clareza nos rumos.

O Bloco de Esquerda é claro: Só a renegociação pode permitir a libertação de fundos necessários a um programa de estímulo à economia que inverta a espiral recessiva, criar emprego, recuperar salários e pensões, dinamizar o mercado interno, fazer crescer a economia. Só há saída da crise cortando na dívida para investir no que cria emprego e crescimento económico.

O problema do país não é um problema de ritmo, ou de calendário da austeridade. O problema dos cortes sociais não é serem feitos aos duodécimos ou de uma só vez, mas empobrecerem o país e destruir os instrumentos de igualdade, seja em 2013, 2014 ou 2016.

O problema do país é o programa do Governo e da troika. Ou mudamos rapidamente o rumo, ou Portugal não sairá da crise.

Os milhares que no sábado, 2 de Março, vão encher as ruas do país, sabem que este Governo é incapaz de tirar o país da crise. E fazem por Portugal o que este governo é incapaz de fazer: mostram à troika, à Europa e ao mundo, que há um povo que não aceita ser espezinhado e que exige outro rumo. É a força da voz de quem não se resigna que pode trazer a Portugal as condições nacionais e internacionais para uma mudança de rumo essencial e que o Governo não sabe, e não quer, fazer. Os milhares que cantam a Grândola ao Governo sabem bem que é tempo de mudança.

Intervenção de abertura do Debate de atualidade sobre “A dívida, a sua renegociação e a sétima avaliação da troika” na Assembleia da República, 28 de fevereiro de 2013

Catarina Martins
Sobre o/a autor(a)

Catarina Martins

Coordenadora do Bloco de Esquerda. Deputada. Atriz.
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