Grécia, pide bom e pide mau

porJorge Costa

18 de fevereiro 2015 - 0:00
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A unanimidade contra a Grécia transforma os socialistas europeus num Pasok continental.

Numa entrevista à revista alemã Spiegel, o ministro Varoufakis compara a política europeia dos últimos anos contra a Grécia à tortura do “waterboarding”, praticada pela CIA. Os entrevistadores incomodaram-se, mas o ministro insistiu: “Durante os últimos cinco anos, a Grécia foi submetida a medidas de austeridade que não pode, em quaisquer circunstâncias, cumprir. O nosso país está literalmente a ser empurrado para debaixo de água. Mesmo antes da paragem cardíaca, concedem-nos uma pausa momentânea. E depois voltamos a ser empurrados para debaixo de água e começa tudo de novo. O meu objetivo é acabar com este terror permanente da asfixia”.

A preparação da expulsão da Grécia do euro, que parece estar em curso, é uma mudança de fundo da situação europeia. Descontada a retórica, a subordinação da família socialista a essa agenda, lá onde ela se decide, configura uma “pasokização” deste campo político à escala continental

Houve unanimidade na cimeira do Eurogrupo: a tortura é para continuar. Mas a função mais perversa coube aos governantes da família socialista, com aquela função que, em Portugal, era a do “pide bom”. Durante as torturas da polícia política, diz quem soube, cabia a um dos agentes o papel da voz amiga, do transigente empenhado em que tudo acabasse melhor para o torturado e o mais depressa possível. Ora, ao longo dos últimos dias, governos socialistas como o francês ou o austríaco destacaram-se nesse papel, com uma retórica crítica do governo alemão. O também socialista Moscovici, pela Comissão Europeia, chegou a propor aos gregos um documento de acordo que, segundo Varoufakis, poderia ter sido aceite. Mas foi retirado da mesa do Eurogrupo logo no início da reunião.

No final, a Grécia não capitulou. Paris e Viena remeteram-se aos “compromissos a cumprir” e coube naturalmente ao “pide bom” Moscovici apresentar as conclusões unânimes: “a negociação só avança com a extensão do programa[da troika]”. Isto é: voltem a meter-lhes a cabeça debaixo de água!

A preparação da expulsão da Grécia do euro, que parece estar em curso, é uma mudança de fundo da situação europeia. Descontada a retórica, a subordinação da família socialista a essa agenda, lá onde ela se decide, configura uma “pasokização” deste campo político à escala continental. O eixo do discurso de António Costa e dos seus potenciais aliados - a ideia de que a austeridade pode acabar por acordo com Bruxelas - é uma ideia morta. Nos tempos que vêm, com todos os perigos à espreita, só a esquerda radical propõe um caminho de defesa de toda uma geração. Esse caminho é um confronto com a União Europeia e assume todas as consequências.

A antecipação da amortização de uma parte da dívida portuguesa é uma decisão trivial de gestão de dívida. Mas o momento desta decisão faz dela um ato de propaganda à escala europeia e diminui o país. A manobra é uma traição aos interesses portugueses, colocando fundos do Estado ao serviço de uma agenda política externa (a alemã) e contra a posição grega (que beneficiaria o conjunto dos países endividados)

Última nota: o governo português foi reconhecido pelo Financial Times como o pior inimigo da Grécia nas negociações em Bruxelas. A antecipação da amortização de uma parte da dívida, através de novos empréstimos (com juro mais baixo) é uma decisão trivial de gestão de dívida, com um pequeno ganho, totalmente irrisório face ao endividamento total do país. Mas o momento desta decisão faz dela um ato de propaganda à escala europeia e diminui o país. A manobra é uma traição aos interesses portugueses, colocando fundos do Estado ao serviço de uma agenda política externa (a alemã) e contra a posição grega (que beneficiaria o conjunto dos países endividados). A presença do “caso de sucesso” de Coelho e Portas ajuda a justificar o castigo do “mau aluno” grego na negociação.

Poderia ainda discutir-se a virtude da opção do governo: o que se perdeu com a amortização - que implicou reter, durante anos, milhares de milhões de euros nos cofres, enquanto a economia agonizava. Quanto não-investimento, não-emprego e não-receita fiscal essa opção gerou? Mas esse é outro debate. O momento escolhido para esta operação torna-a num gesto da guerra de propaganda da finança contra a renegociação das dívidas. E demonstra que, nas horas críticas, o governo português é o ajudante do "pide mau".

Jorge Costa
Sobre o/a autor(a)

Jorge Costa

Dirigente do Bloco de Esquerda. Jornalista.
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