Está aqui

A geração das duas crises

Na fila da frente dos movimentos que empurram a nossa sociedade para a frente estão os mais jovens. Não estão desinteressados nem distantes, estão a garantir um futuro para todos e todas.

No dia 6 de abril de 2011, o então Primeiro-Ministro demissionário José Sócrates anuncia que iria submeter Portugal à intervenção da troika (Banco Central Europeu, Comissão Europeia, FMI). Em junho do mesmo ano, Pedro Passos Coelho vence as eleições e torna-se Primeiro Ministro. Durante o seu governo, cortou salários e pensões, retirou subsídios de Natal e de férias, eliminou feriados e impôs ao país um pacote de austeridade e de neoliberalização da economia. Este executivo impôs a narrativa de que os portugueses viviam “acima das suas possibilidades”, de que era preciso “ir além da troika”, de que “não podemos ser piegas” e incentivou os jovens a emigrar.

Tenho 21 anos. Tal como eu, todas as pessoas da minha idade vivem hoje a segunda crise das suas vidas. No início da nossa adolescência, assistimos à perda de rendimentos ou até mesmo do emprego dos nossos familiares e ouvíamos dizer que era preciso apertar o cinto e que não havia alternativa à austeridade. A nossa vida tinha acabado de começar e o futuro já parecia hipotecado: a precariedade laboral era regra até para os que tinham estudado no Ensino Superior, diziam-nos que não valia a pena ficar em Portugal e que sonhar com uma vida diferente não passava de ingenuidade.

Ao som da Grândola Vila Morena, dezenas de milhares de jovens se organizaram durante os anos da troika e disseram que queriam o seu futuro, que não aceitavam que as suas vidas fossem assaltadas pela austeridade. Rejeitavam veementemente a ideia de que o projeto neoliberal da troika fosse o único e fatídico caminho. E assim foi, a sua força esteve na linha da frente da construção de uma alternativa.

Chegados a 2021, voltamos a deparar-nos com uma gigantesca crise: pandémica, económica e social. A perda de emprego e de rendimentos e a generalização das velhas e novas formas de precariedade são uma realidade para quem está a entrar na idade adulta. Com o eclodir da pandemia, vimos as ruas encherem-se de centenas de jovens com mochilas verdes ou amarelas, montados nas suas bicicletas e a caminho ou de regresso de mais uma entrega, da qual recebem uma pequena parte. Sabemos o que nos espera: trabalhar a mais, ganhar a menos. Arrendar uma casa parece ser cada vez mais difícil e a saída de casa dos pais vai-se adiando. Comprar uma casa não passa de uma miragem para uma geração que vê um futuro incerto e inseguro. Ao encararmos esta nova crise, com uma dimensão sem precedentes, sabemos que não queremos novamente a receita da austeridade e do empobrecimento.

Não é tudo. Cientistas dizem-nos que temos poucos anos para agir antes que as alterações climáticas se tornem irreversíveis. Nos últimos dois anos, centenas de milhares de jovens por todo o mundo têm saído à rua para exigir uma transição energética que nos garanta um futuro sustentável e digno. Exigências essas como a de revolucionar a nossa mobilidade e paradigma energético e de punir severamente as empresas poluidoras. Formou-se uma consciência aguda de que se não tomarmos o destino das nossas vidas nas nossas próprias mãos, o lucro continuará a ser posto acima da sobrevivência do planeta. Quando falamos de como responder à crise que agora vivemos, são os mais jovens que carregam nos braços a agenda do clima e a exigência de que a vida de todos nós não se curve perante os lucros milionários de quem explora o planeta.

Somos uma geração de mulheres que não aceitam mais pedir licença para exercer os seus direitos, de pessoas LGBT que não toleram mais discriminação e violência por ser quem são e de pessoas racializadas que saem à rua contra a violência policial e a exclusão social e que exigem que se conte a história do colonialismo português. Na fila da frente dos movimentos que empurram a nossa sociedade para a frente estão os mais jovens. Não estão desinteressados nem distantes, estão a garantir um futuro para todos e todas.

Somos uma geração que viveu duas crises e que viu ser-lhe roubado o futuro. Aqueles que nos dizem desinteressados do mundo que nos rodeia são os mesmos que fingiram não ouvir quando exigimos estabilidade no trabalho e uma casa onde morar, são aqueles que nos impuseram a austeridade e disseram que não tínhamos alternativa. Mas, temo-la e vamos prová-lo as vezes que forem necessárias. A nossa determinação em agarrar o futuro com as nossas mãos é a nossa alternativa.


Artigo publicado em Comunidade Cultura e Arte a 14 de março de 2021.

Sobre o/a autor(a)

Doutoranda e Mestre em Antropologia. A estudar colonialismo, memória e cidade. Deputada na Assembleia Municipal de Lisboa
(...)