As transformações urbanas acompanham as transformações sociais e políticas que ao longo da história forçam a geografia das cidades a transfigurar-se. Os caciques dessas transformações são, como em todos os lugares do mundo, aqueles que detêm o poder económico para poder criar uma cidade e uma sociedade aos olhos dos seus interesses. Rui Moreira, quando em 2013 ascendeu a Presidente da Câmara Municipal do Porto (CMP), assumiu bem cedo quais os seus objetivos governativos, pois sabia bem que interesses tinha de preservar. Rui Moreira mostrou-se como um verdadeiro CEO da CMP e sabia de todas as potencialidades que a cidade do Porto tinha para atrair mais investidores. Os seus executivos acediam e acedem com facilidade aos pedidos dos fidalgos, que se esforçam por transformar o território portuense num dos mais valiosos ativos do mercado imobiliário e da especulação financeira alavancada pelo turismo. Porém, e de maneira a ficar mais organizado, decidi dividir este artigo em três partes, que pretendem analisar diferentes etapas do projeto “cidade-negócio” que Rui Moreira anseia desenvolver na cidade do Porto.
Pobres? ”Not In My Back Yard”
Não é de agora, Rui Moreira governa há três mandatos e as suas políticas de perseguição às pessoas em situação de sem-abrigo ou a expulsão de pessoas da cidade numa substituição deliberada da população residente por população flutuante, são apanágio dos seus executivos. Existe um objetivo intencionado do executivo conservador, de limpar da cidade os toxicodependentes e os sem-abrigos, sem qualquer garantia de inclusão e integração dessas pessoas na sociedade. Este ano, a CMP, em mais uma demonstração da desumanização das suas ações, deu início a uma “limpeza” no acampamento na zona da Pasteleira, ligado ao consumo e tráfico de droga. Esta ação serviu para o executivo de Rui Moreira lançar a sua campanha populista para a criminalização dos consumidores, num claro retrocesso civilizacional, quando há mais de 20 anos, Portugal olha para a toxicodependência como um problema de saúde e não criminal. A estratégia de Rui Moreira é uma das mais objetivas e eficazes, digno de um bom liberal-conservador, que pretende culpabilizar as classes sociais mais vulneráveis pela sua desgraça. É um objetivo evidente que tenciona enrolar as classes trabalhadoras umas contra as outras, desviando-as do inimigo como, o sistema capitalista.
Por proposta do Bloco de Esquerda no Porto, atualmente, existe um projeto piloto de sala de consumo assistido ao consumo de drogas, junto ao Bairro da Pasteleira. Nos primeiros meses desta sala, mais de 600 pessoas recorreram ao espaço para o consumo acompanhado e seguro, com uma média de 83 consumos por dia nos três meses (Jornal Público, janeiro de 2023). Contudo, esta sala apenas está capacitada para receber 15 utentes de cada vez, impossibilitando uma resposta rápida ao volume de procura que exigiria uma expansão da sala e dos técnicos que acompanham os utentes. Este é o tipo de resposta que pode solucionar de forma eficiente e justa a questão do aumento do consumo de droga na cidade. Deve ser tratado como uma questão de saúde publica, apoiada na integração e não numa maior exclusão protagonizada pelo discurso populista do presidente da câmara.
No fundo, a perseguição desenfreada aos mais pobres é a versão portuense do NIMBY (“Not In My Back Yard”), desta feita, direcionada para a pobreza. Se ninguém os vir, é porque não existem, não há pobreza na cidade do Porto.
Mais Porto. Menos Oporto
Assistimos nos últimos dias ao encerramento do Centro Comercial STOP, ou como os artistas que lá produzem arte lhes chama, Centro Cultural STOP. O STOP é um velho centro comercial da década de setenta que já serviu de espaço para, que já passou por outros usos, mas hoje representa um dos mais importantes espaços de produção cultural da cidade do Porto. Referido como “a Casa da Música do Porto”, foi sendo, ao longo dos anos, aproveitado por bandas e músicos, que ocupavam o espaço, mais acessível economicamente, contribuindo para o surgimento de estúdios e salas de ensaios.
Porém, no passado dia 18 de julho, os artistas que utilizavam este espaço de trabalho, foram impedidos de lá entrar pelas autoridades. O despacho da CMP foi o mote para o encerramento, alegando falta de segurança no espaço e até barulho para a vizinhança, rapidamente desmentido pelos moradores vizinhos. Nas traseiras do STOP, encontram-se uns terrenos da empresa hoteleira – Imóveis e Empreendimentos Hoteleiros, gestora do Eurostars Heroísmo. O administrador do condomínio do CC STOP admitiu à Lusa que a mesma empresa demonstrou interesse no espaço.
A “Torre do JN” é mais uma demonstração da venda do património da cidade a mais um investidor privado”. A sede do Jornal de Notícias, que se mudará para a prelada no final de julho, vai dar lugar a um Hotel. É o reflexo do anarcocapitalismo, patrocinado pelo executivo de Rui Moreira.
Estes são dois exemplos recentes do descaracterizar geográfico da cidade, o património que outrora parecia intocável é rapidamente substituído por letreiros de hotel e por slogans em inglês. Nas zonas mais típicas da cidade, como é o exemplo de São Victor, na freguesia do Bonfim, a forte densidade de “ilhas” misturam-se com os renovados alojamentos para turistas, que vendem a imagem de um porto tradicional, sendo que na verdade é a adulteração do típico e a destruição das comunidades locais. Este é o resultado das políticas elitistas do executivo camarário, políticas como as do levantamento da proibição de novas licenças de alojamento local no Bonfim e em Cedofeita, que resultam no aumento das rendas da cidade, ou os despejos na Ribeira, das zonas mais sobrecarregadas pelo turismo. Isto é a transformação urbana motivada pela ganância capitalista.
São poucos aqueles que resistem à gentrificação e à turistificação e os mais pobres são os que mais sofrem com as suas consequências. As desigualdades entre classes são cada vez mais vincadas, há até quem chame a este fenómeno de exclusão geográfica e social das classes mais vulneráveis do centro da cidade, de “apartheid urbano” (Bindé, 2000). É o capitalismo em expansão, que vê no espaço público mais uma forma de capitalizar e acumular continuamente a riqueza nos bolsos dos caciques. É a política que vem invisibilizar os já invisíveis, como se refletiu também na façanha da CMP contra a Marcha do Orgulho do Porto, em 2023. É a elitização da cidade, pois as formas de produção e exploração mudaram, já não interessa manter os trabalhadores nas traseiras dos senhores, importa agora é empurrá-los para fora da cidade-negócio e enfeitar mais este cenário, cada vez mais descaracterizado e mais próximo de se transformar num enorme hotel.
O lápis azul de Rui Moreira
Rui Moreira e as suas políticas de destruição da identidade da cidade e de liberalização da economia afetam diretamente a vida da população. As pessoas sentem o reflexo das políticas da CMP quando ao fim do mês o salário não estiva para pagar a renda da casa. Apercebem-se da calamidade que é o liberalismo económico quando têm de optar por ficar em casa e ter dinheiro para comer em detrimento da fruição cultural. A. As pessoas constatam os resultados do turismo massificado quando a saem à rua e reparam que a cidade não é mais para elas. Sentem e enchem-se de revolta contra os despejos, contra a precarização da vida urbana, contra standardização da cidade e é nas suas paredes que se espelha essa fúria. Todavia, não por muito tempo. O narcisismo de Rui Moreira é a alavanca para o seu autoritarismo, ordenando aos trabalhadores da CMP que limpem rapidamente todos os resquícios do descontentamento. Para as elites são apelidados de marginais, na verdade, são os reais resistentes. As mensagens que nos muros, nos cartazes e nos autocolantes se espalham têm um inimigo comum, o “CEO Rui Moreira”, que uma vez mais invisibiliza tudo com o seu lápis azul. É um monárquico que não admite que se abram brechas de revolta no seu reino, um tirano que vê validado pelas elites económicas o poder absoluto. Por isso, quando a censura é pratica comum, a nossa resistência tem de ser ordem. Pelas pessoas do Aleixo, pelos toxicodependentes marginalizados, pelos jovens que perderam o direito à cidade, pelos trabalhadores precários do setor do turismo, pelos artistas do STOP, pelos jornalistas do JN, por todos os portuenses que ainda acreditam que o “Porto não está morto”. Somos a voz da revolta.