O paradoxo do historiador Robert Paxton merece reflexão: desconfiado de analogias históricas, recusou classificar o Trump como fascista até ao dia do ataque ao Capitólio, que talvez lhe tenha lembrado os episódios da “marcha sobre Roma” de Mussolini ou do incêndio do Reichstag em Berlim. A analogia é sempre limitada, sobretudo pelo facto menos sublinhado: como nos conta uma história que já se passou, sugere um desfecho inevitável. Em todo o caso, creio que aqui se justifica usar o termo. Sim, Trump é fascista.
O fascismo teve formas muito diferentes, o que aliás serviu para alguns dos seus justificadores tentarem branquear a conotação desse passado. Lembra-se quem lê estas linhas de quanto argumentaram que Salazar escapava ao universo dos fascismos por qualquer dos particularismos purificadores do seu trajecto. Ora, os fascismos foram laicos (Hitler) e católicos (Mussolini, Salazar), nasceram de uma guerra (Franco) ou desencadearam a guerra (Mussolini e Hitler) – logo, não se casam num classificador simples e único, nem na ideologia nem na política. O que, apesar dessas diferenças, a todos torna fascistas são quatro traços: a figuração do chefe como o redentor que tem uma relação directa com o povo; a instauração da norma do estado de sítio ou de submissão da democracia; a promoção da guerra para reforçar a ideologia imperial e esse estado de excepção; e o supremacismo, racista e machista, ou ainda assente em outras discriminações. E poderia acrescentar-se um quinto traço, o apoio dos ultrabilionários, que vêem neste autoritarismo a garantia do processo futuro de acumulação de capital. O projecto que Trump não oculta responde a estes critérios.
Ter um presidente fascista não significa que o regime se torne fascista. Bolsonaro ganhou em 2018 e o Brasil não foi um estado fascista e, aliás, o “messias” perdeu em 2022. Trump ganhou em 2016 e não conseguiu abolir as eleições (o que agora insinua, mesmo que lhe seja impossível, pelo menos sem uma guerra) e perdeu em 2020. Pelo caminho, o seu actual vice-presidente e herdeiro, J.D. Vance, apelidou-o de “Hitler americano”. Em qualquer caso de evolução futura, haver um presidente fascista é já um passo importante para o abismo, um ponto de partida que torna imprevisíveis as suas acções. Para Trump, só existe a lógica superior de subordinar a política à manutenção do seu próprio poder. O apoio empenhado de Elon Musk demonstra tanto a instrumentalização deste regime, quanto a sua conjugação com a perda de sentido de comunidade – diz-se agora, de empatia – que as redes sociais promovem. Se queremos encontrar o primeiro cultor destas ideias, aí está, é a ecologia das redes, que são aliadas do fascismo. Foi o que se confirmou na noite desta terça-feira.
(neste episódio de Um Pouco Mais de Azul trato ainda a posição de Ricardo Leão, autarca de Loures, e o debate que suscitou pela sua aproximação ao Chega)
Este texto é parte da intervenção de Francisco Louçã no podcast “Um pouco mais de azul”, onde também participam o jornalista Fernando Alves e a poeta Rita Taborda Duarte. O podcast completo aqui