Frack on this

porJoão Camargo

05 de abril 2016 - 22:52
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Ao fim de 4 meses, uma empresa de exploração de gás natural nos Estados Unidos, conseguiu finalmente fechar uma fuga de metano que expulsou uma quantidade de gases com efeito de estufa equivalente a queimar 2,65 mil milhões de litros de gasolina.

Em fevereiro passado a SoCal Gas, empresa de exploração de gás natural nos Estados Unidos, conseguiu finalmente fechar uma fuga de metano que durante 4 meses expulsou uma quantidade de gases com efeito de estufa equivalente a queimar 2,65 mil milhões de gasolina ou acrescentar 4,5 milhões de carros por dia, durante mais de 110 dias. Este acidente, considerado mais grave do que o derrame de petróleo da BP no Golfo do México em 2010, levou à declaração do Estado de Emergência na Califórnia e à evacuação de 6400 famílias e encerramento da cidade de San Fernando Valley, Los Angeles. Depois de mais de dez tentativas sem sucesso feitas pela empresa para controlar a fuga, finalmente foi possível controlá-la e encher de cimento o furo com 2400 metros de profundidade.

O boom do fracking (em português fratura hidráulica) nos Estados Unidos começou na década passada. Esta forma de extração de petróleo e gás natural implica abrir furos na rocha através da injeção de um fluído a alta pressão. Este fluído, de composição variável conforme a geologia da rocha que é suposto partir, costuma ter entre os seus componentes ácido clorídrico, biocidas, espumas, gel líquido, estabilizadores de argila, zircónio, crómio, antimónio, formaldeído, ácido bórico, benzeno, tolueno, etanol, naftaleno, carbonato de potássio, hidróxido de sódio e areia. Existem mais de 600 produtos químicos utilizados no fracking, mas a composição exata de cada mistura é segredo protegido por tratados comerciais. Um dos problemas mais graves apontados ao fracking tem exatamente que ver com estes químicos e como os mesmos contaminam os solos e as reservas de água subterrânea nos locais onde se explora o gás e o petróleo. Depois de aberto o "furo", as areias mantêm-no aberto para poder sair o gás e o petróleo das jazidas geológicas, geralmente através de condutas. Além da contaminação dos solos e reservas de água, está demonstrado o aumento da atividade sísmica associado ao fracking. Nos Estados Unidos, entre 1973 e 2008, existiram em média 24 terramotos de magnitude de 3.0 ou superior. Em 2015 foram 1010, um aumento de mais de 4000 porcento.

Apesar das graves consequências negativas associadas ao fracking, a verdade é que isso não impediu a sua expansão gigantesca na última década: nos EUA, a produção nos poços de petróleo de fracking subiu de 100 mil barris por dia em 2000 para 4,3 milhões de barris por dia em 2015. Os 300 mil poços dos Estados Unidos, em conjunto com os aproximadamente 200 mil poços de gás natural, gás de xisto, xisto betuminoso e petróleo do Canadá, foram a base da "revolução" energética que atirou a América do Norte para o topo da produção e da exportação de combustíveis fósseis. Hoje, o petróleo obtido por fracking é responsável por mais de metade de toda a produção de petróleo dos Estados Unidos e tornou o país no terceiro produtor mundial de petróleo, atrás da Arábia Saudita e da Rússia.

No momento em que se assinou o Acordo de Paris, na COP-21, já vigorava forte a ideia anunciada por Obama: que os inconvenientes do fracking eram compensados pela redução das emissões de gases com efeito de estufa, pois o fracking de gás natural (e até mesmo de petróleo) era preferível à queima de carvão. E assim avançava-se num processo de substituição de centrais energéticas a carvão por centrais energéticas a gás natural, muito menos poluentes. E a verdade é que para a mesma produção de energia, o gás natural emite metade das emissões de CO2 que o carvão. Obama anunciava, triunfal, a estabilização e redução das emissões de gases com efeito de estufa nos Estados Unidos, aumentando ainda mais a pressão sobre a China (que começou um importante processo de reconversão energética das centrais de carvão, em energia solar e eólica).

Robert Howarth e Anthony Ingraffea, cientistas de Cornell, nos Estados Unidos, já tinham explorado a problemática das fugas de gás nos poços de gás e petróleo em fracking, identificando que um nível de fugas de apenas 3% anularia qualquer efeito positivo que o gás natural tivesse de vantagem em relação ao carvão. No início de Março um conjunto de cientistas de Harvard confirmou tratar-se de algo bastante grave: as emissões de metano nos Estados Unidos aumentaram 30% desde 2002. Isto significa que não só o país não reduziu as suas emissões de gases com efeito de estufa, como aumentou-as. Ao focar a atenção no dióxido de carbono, omitiram-se as emissões de metano, ignorando as fugas massivas de metano resultantes do fracking. Se a queima do metano (principal componente do gás natural) emite menos dióxido de carbono do que o carvão ou o petróleo, já a sua libertação direta para a atmosfera tem um efeito de estufa 25 a 36 vezes superior ao dióxido de carbono, reforçando o aquecimento global imediatamente. Foram identificadas fugas de até 9% de metano no fracking americano, o que significa que se fecharam centrais de carvão mas abriram-se ligações diretas de gases com efeito de estufa entre o subsolo e a atmosfera.

Temos portanto a conclusão de que o fracking, além de poluir irremediavelmente solos e aquíferos e aumentar o número de terramotos, está a originar uma explosão descontrolada de emissões de carbono, sendo uma ameaça real, concreta e imediata ao sistema climático.

Embora tenhamos por longínqua uma situação destas, a verdade é que foram concessionadas 4 áreas do nosso país à possibilidade de exploração de gás e petróleo por fracking: na Batalha e em Pombal à Australis Oil&Gas Portugal Lda. e em Aljezur e Tavira às Portfuel de Sousa Cintra. Os contratos de concessão foram assinados nas duas últimas semanas do anterior governo (respetivamente a 30 de Setembro e a 25 de Setembro de 2015) e encontraram desde então uma enorme objeção social, das autarquias e das empresas locais. A Entidade Nacional para o Mercado de Combustíveis (ENMC) tenta no seu site acalmar os ânimos dizendo que não se prevê "fratura hidráulica" em nenhum processo. O problema é que revela imediatamente a seguir que já há um grupo de trabalho para preparar as práticas de pesquisa/produção de gás de xisto. Não é assim tão fácil esconder uma enormidade destas e por mais trapalhadas que a ENMC tente atirar para cima deste assunto, é prioritário parar de extrair combustíveis fósseis do solo por todo o Mundo, em terra, no mar, convencional ou fracking, porque todas contribuem para o mesmo fim: acabar com a civilização como a conhecemos.

Artigo publicado em sabado.pt

João Camargo
Sobre o/a autor(a)

João Camargo

Investigador em Alterações Climáticas. Escreve com a grafia anterior ao acordo ortográfico de 1990
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