Foram as derrotas que fizeram o Bloco de Esquerda

porJoão Mineiro

05 de outubro 2013 - 19:43
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A avaliar pelo frenesim patego e pacóvio que sucessivamente vai anunciando a sentença, tudo levaria a indicar que o Bloco é uma espécie de crónica de uma morte anunciada que se resumiria a um belo romance de Garcia Marquez.

O Bloco teve uma derrota nas eleições autárquicas. Não faltaram papagaios e outras espécies raras que, em tom repetitivo e não escondendo o entusiasmo pacóvio, se anteciparam a anunciar o início do fim do Bloco. Para alguns comentadores e jornalistas, o fim do Bloco de Esquerda é assim uma espécie de acontecimento iminente, uma espécie de apocalipse onde se vão revelar os verdadeiros genes autodestrutivos do partido. Eles salivam de impaciência e de ansiedade para anunciarem a notícia. Não querendo fazer a desfeita, ao contrário do que acontece em muitos sítios, na esquerda uma mentira repetida muitas vezes felizmente não se transforma em verdade.

Seja numa pesquisa simples na internet, seja através de um mais rigoroso exercício de memória ou vendo alguns dos mui nobrescomentadores televisivos, parece que pelo menos desde há 14 anos que se anuncia o fim do Bloco de Esquerda. A avaliar pelo frenesim patego e pacóvio que sucessivamente vai anunciando a sentença, tudo levaria a indicar que o Bloco é uma espécie de crónica de uma morte anunciadaque se resumiria a um belo romance de Garcia Marquez. É mesmo assim que se faz um fazedor de opinião reacionário: procura confirmar na realidade os indícios do que gostaria que acontecesse, tentando criar as condições para uma espécie de profecia auto-cumprida. Mas o que é estranho, é que depois de 14 anos a anunciar uma tese constantemente falhada, ainda há quem lhes dê tempo de antena para tamanha basbaquice.

As eleições autárquicas foram um momento político absolutamente decisivo na vida política portuguesa e na vida da luta de classes. O Bloco, a sua direção, as suas organizações locais e a sua militância empenharam-se com toda a intensidade nestas primeiras eleições na era da troika. Concorremos a 75 % do país, por 52 votos não elegemos um vereador em Lisboa, elegemos 8 vereadores, em alguns sítios pela primeira vez, participámos no início do fim do jardinismo, ajudámos a eleger um vereador numa lista independente em Coimbra e fizemos campanhas absolutamente arrebatadoras, como a do Porto.

Mesmo assim, perdemos. Saímos derrotados e não tivemos força, dinâmica, enraizamento e estrutura para melhorar os nossos resultados autárquicos e a nossa implantação local. Pior, em termos globais o Bloco teve resultados piores que o das últimas eleições. Foi uma derrota e é perante a derrota que se avaliam as relações de força e se constroem novas ideias, planos, estratégias e se avança para novas lutas, resistências e conquistas. É essa a génese do Bloco de Esquerda e é nas suas estruturas que o debate se fará sobre os problemas e o futuro da estratégia local.

Na noite eleitoral de Domingo, numa sala com bastante apreensão e alguma tristeza nos rostos dos militantes, o meu camarada Mário Tomé, histórico militante da esquerda revolucionária portuguesa, perguntou-me: “Que cara é essa pá?”. Não soube muito bem o que dizer, mas também não foi preciso. A camaradagem ensina-nos a interpretar os silêncios. Mas o Mário sorriu, deu-me um abraço e disse quase precisamente estas palavras: “Camarada, sabes quantas derrotas eu tive na vida? O nosso objetivo é estratégico, é ajudar a construir as condições subjetivas para grandes mudanças no mundo. Temos grandes vitórias conquistadas, não te esqueças, e temos muitas vitórias que saíram de derrotas. Afinal de contas foram as derrotas que fizeram o Bloco de Esquerda”.

É essa lucidez dialética que nos exige este tempo de exigências. Se não tivéssemos concorrido às autárquicas teríamos ajudado a criar condições para a derrota da troika e do seu governo? Não. Se não tivéssemos concorrido teríamos tido a capacidade de despoletar processos realmente participativos, de abrir a política institucional à cidadania e, já agora, de potenciar os espaços para que muitas pessoas participassem pela primeira vez na sua vida numa campanha política? Não.

Os trabalhadores e o povo português não teriam ficado melhor se tivéssemos colocado a viola no saco e assumindo a confortável posição de não fazer nada. Também não ficaria melhor se assinássemos por baixo de coligações e partidos que vão, na prática, implementar austeridade local e que, de gestão alternativa ao clientelismo, têm muito pouco. Mas continuamos a ter muito por fazer.

Perante os resultados muito fracos que tivemos, alguns continuam a dizer que o Bloco vai acabar ou que está em risco de acabar. Outros, como de resto acontece nos partidos burgueses, tentam fazer um arriscado número de associação dos resultados à direção política do Bloco, procurando responsabilidades personalizadas para problemas que são coletivos. São opiniões.

Mas para quem acha que o Bloco acabou, pode muito bem fazer o teste. Passem nas ruas dia 26 de Outubro e nos protestos estudantis dos próximos meses. Apareçam nos sindicatos, nas associações feministas e nos movimentos e associações LGBT. Apareçam em Associações de Estudantes e nos coletivos estudantis. Apareçam nas associações culturais e nas coletividades recreativas. Apareçam nas ocupações, nos congressos. Apareçam em todos os momentos mais decisivos da luta social em Portugal.

Encontrarão por lá um Bloco vivo, empenhado e decisivo. Encontrarão lá a evidência de um partido que não desiste da sua história e dos seus desígnios. Ainda cá estamos, diariamente, onde pulsa a injustiça e onde a esperança é o princípio que não se deixa desvanecer na espuma das derrotas.

Quem achar outra coisa, não nos conhece.

João Mineiro
Sobre o/a autor(a)

João Mineiro

Sociólogo e investigador
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