Fomos e somos emigrantes, ou não?

porMaria Luísa Cabral

11 de setembro 2024 - 21:15
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Fomos, somos um país de emigrantes. Partimos, sabemos e relembramos o que é, e foi, a diáspora. No imaginário colectivo, as partidas nas gares ferroviárias testemunham bem o drama que se viveu. Hoje o cenário é o aeroporto, o drama idêntico.

Continuamos a viver esses momentos. As férias de Verão, a época de Natal, exibem à exaustão o país de emigrantes que somos. Ao longo das décadas a emigração oscilou na forma e no destino, as razões poderão ter-se alterado. A verdade, no entanto, é que continuamos a precisar da emigração, sabemos do que falamos quando a referimos.

Planeta fora, é muito fácil encontrar um português ou um sinal a lembrar a língua. Acontece com outras nacionalidades, não nos é exclusivo e o facto serve apenas para sublinhar como a emigração é comum à humanidade. Claro que uma retrospectiva histórica nos revela, mais vezes do que o desejável, que a nossa presença teve traços colonialistas lamentáveis, uma presença não isenta de crítica. Colonialistas, senhores do sertão ou do mato africano, duros, implacáveis, exploradores determinados a fazer dinheiro. Tudo reprovável, não pode ser varrido para debaixo do tapete. Estes colonialistas eram certamente emigrantes, mas constituem um grupo específico, parecem distintos daqueles outros, trabalhadores sem qualificação, sem trabalho e sem dinheiro, sem padrinhos, arregimentados pela Junta de Emigração (nos tempos do Estado Novo) que partiam para o Brasil, para a França ou para a Alemanha. A este contingente de emigrantes legalizados, juntavam-se os emigrantes clandestinos. A certa altura, pelos anos 60, também estudantes e intelectuais da classe média que fugiam do regime e recusavam a guerra colonial passaram a engrossar o contingente de emigrantes.   Conhecer este contexto fornece força e razão para combater quem levanta a voz contra os imigrantes que hoje procuram trabalho em Portugal. Se nos identificamos com estes emigrantes que fomos/somos, porquê desconfiar dos imigrantes que procuram trabalho entre nós?

Os emigrantes, em vagas temporais distintas, partiam à procura de emprego, recusavam a fome, os baixos salários, mais tarde a guerra colonial. O desespero. Quem parte tem sempre uma razão maior.

Os emigrantes saíam de todo o país, mas os distritos do Norte eram os mais fustigados: Porto, Braga, Viseu. Na década de 60, são 650 mil os que emigram maioritariamente oriundos dos distritos do Norte, na sua larga maioria, emigração desqualificada, pura mão-de-obra para colmatar as falhas que a Europa no pós-guerra sofria. Vindos de uma população rural muito pobre, com elevado índice de natalidade, dependente dos grandes proprietários rurais muito poderosos, os homens, coagidos por salários muito baixos, emigram em busca de sustento, deixam para trás as mulheres que se tornam um pilar fundamental da comunidade. Entre emigração legal e clandestina, são cerca de 1 milhão e 800 mil emigrantes para uma população total nacional inferior a 9 milhões.

O Estado Novo tentava controlar esta emigração e até incentivá-la já que as poupanças que eram enviadas ajudavam a acalmar o mal-estar social, mantinham um certo equilíbrio.  Esta hipocrisia acabaria por se virar contra o próprio Estado Novo porque através de os emigrantes também se importavam novas ideias, se constatava que afinal a democracia funcionava noutras paragens, se ganhava ambição. Uma vontade indomável levava à emigração, na esperança de garantir a sobrevivência e uma vida digna. O emigrante constituía uma ameaça.

A emigração hoje reveste-se de outras características surgindo a procura de melhores salários como razão principal. Mais oportunidades, desafios expectáveis para maiores qualificações académicas,  mais perspectivas. Afinal, nada de novo.

Os imigrantes precisam de protecção quer contra as redes de tráfico humano quer contra a exploração dos empregadores. Regra geral, sabemo-lo bem pela experiência sofrida pelos emigrantes portugueses, os emigrantes começam por assegurar trabalhos que os locais não conseguem (ou não querem) executar, merecem todo o respeito. Proteger as suas famílias, garantir-lhes alojamento digno, direitos civis. Nada que não tenhamos experienciado.

(…) Vi minha pátria derramada

na Gare de Austerlitz. Eram cestos

e cestos pelo chão. Pedaços

do meu país.

Restos.

Braços.

Minha pátria sem nada

sem nada

despejada nas ruas de Paris. (…).

Manuel Alegre - Portugal em Paris. In O canto e as armas. 1967

Maria Luísa Cabral
Sobre o/a autor(a)

Maria Luísa Cabral

Bibliotecária aposentada. Activista do Bloco de Esquerda. Escreve com a grafia anterior ao acordo ortográfico de 1990
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