(Com uma nota prévia: ao longo das próximas semanas, manterei no Um Pouco Mais de Azul o mesmo registo de sempre, sem me desviar por qualquer outra razão conjuntural e eleitoral. Por respeito pelo que colectivamente aqui se faz com o Fernando Alves e a Rita Taborda Duarte, e para com o Público e os seus leitores, assim será: tratarei temas do debate nacional, sem lhes sobrepor alguma interpretação partidária.)
Dizia Mark Rutte, o flamejante secretário-geral da NATO, em conferência de imprensa nos últimos dias do ano passado, que “quando se olha para o que os países gastam em pensões, no sistema de Segurança Social e na saúde, precisamos de uma fracção desses gastos para garantir que os gastos com a defesa cheguem a um nível em que possamos sustentar a nossa dissuasão a longo prazo”. Creio que não é preciso reler a frase para reconhecer a sua franqueza. Para a liderança da NATO, não é por ocultação que tal é afirmado, é por total franqueza: dizem-nos que é mesmo preciso reduzir os gastos em pensões ou saúde para financiar o armamento. Três meses depois, e constatando que Trump se vai afirmando como o maior perigo para a Europa, esse discurso tornou-se mais confuso, mas também mais insistente sobre a necessidade de mudar a estratégia de investimento europeu. Dito em poucas palavras, querem estes dirigentes que se retire da segurança social ou das pensões o necessário para armas. Longe vai o tempo em que a União anunciava planos verdes ou investimento massivo na transição energética; agora, o novo verde passou a ser o castanho ou o negro.
Deste modo, a Comissão transferiu-se do discurso ambiental para o guerreiro, e há mesmo dirigentes que antecipam uma guerra em três anos. Uma vez mais o campeão do esdrúxulo, Rutte ameaçou-nos de termos que aprender russo, a língua dos novos dominadores que nos espreitam emboscados das fronteiras, se não aceitarmos este desvio de recursos para financiar a guerra.
O problema é que os números não batem certo. Os países da União gastam em armamento e por ano o triplo do que gasta a Rússia. Ou seja, em cada ano que passa maior se torna o fosso da sua capacidade militar em relação às forças armadas russas, que aliás provaram incapacidade perante um adversário fraco como a Ucrânia. A Europa tem uma gigantesca superioridade militar em relação à Rússia (e, já agora, gasta em despesa militar mais do que China).
Florilégio é o tema do nosso episódio de hoje. Uma palavra maldita entre os industriais do armamento, que estão excitados com o mercado que se lhes amplia.
Este texto é parte da intervenção de Francisco Louçã no podcast “Um pouco mais de azul”, onde também participam o jornalista Fernando Alves e a poeta Rita Taborda Duarte. O podcast completo aqui
