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Fim das propinas e das taxas abusivas

Mais uma vez, é tempo de repetir que a propina dói. E não dói apenas aos estudantes, dói ao país.

500 euros, 50 euros, 350 euros, 0 euros, 525 euros, 750 euros. Estes são os valores arbitrários que estão fixados para a admissão a provas de doutoramento em Universidades Públicas do nosso país. A taxa de entrega das teses e dissertações é uma taxa injustificada. A entrega de teses e dissertações é, por regra, um elemento indispensável na conclusão dos mestrados e doutoramentos. Não se compreende, portanto, a imposição desta “propina extra” para a entrega do trabalho final.

Esta taxa, em todo o seu absurdo, é o sintoma agudo de um problema estrutural do Ensino Superior e da Ciência em Portugal. Saúdo a Associação dos Bolseiros de Investigação Científica por ter trazido este assunto ao Parlamento e por ter definido com clareza a base deste problema. Cito as peticionárias e os peticionários: “As instituições de ensino superior criam este tipo de taxas como mais uma fonte alternativa de financiamento para fazer face ao subfinanciamento em que vivem, problema que só poderá ser verdadeiramente resolvido através do acordo entre instituições de ensino superior e Governo para o aumento do financiamento estrutural, que colmate este estrangulamento financeiro, por via do Orçamento do Estado”.

No entendimento do Bloco de Esquerda, o que discutimos hoje não é só uma taxa, é um modelo de financiamento e uma perspetiva de país. O financiamento público do Ensino Superior é um fator de desenvolvimento do país e de justiça social. A democratização do acesso aos mais elevados graus de educação é uma obrigação constitucional do Estado. Em quase cinco décadas de democracia houve muitos avanços mas também houve retrocesso e obstáculos na democratização do ensino superior.

O surgimento das propinas nos anos 90 do século passado foi um desses retrocessos. Seguiram-se cerca de vinte anos de aumentos de propinas. Seguiram-se décadas de luta estudantil contra esta barreira ao direito à educação. O pagamento das propinas leva ainda hoje uma fatia ainda grande dos rendimentos das famílias e consome parte considerável das bolsas de ação social. Há estudantes do secundário que nem sequer concorrem ao superior porque sabem que as suas famílias não têm condição de suportar as despesas. Entre os que ingressam no ensino superior, há os que a todo o momento se confrontam com a possibilidade de ter de desistir por insuficiência económica, um problema que se avoluma quando as Instituições de Ensino Superior criam e aumentam taxas e emolumentos, visando compensar o subfinanciamento público.

A longa luta do movimento estudantil e o empenho do Bloco de Esquerda e de outras forças políticas permitiram a redução das propinas de 1068€ para 856€ em 2019/2020 e para 697€ em 2020/2021. Com isso caiu o dogma de que as propinas estavam aí para ficar e aumentar. Entretanto, o Governo PS não só abandonou esse caminho de redução como encomendou um estudo à OCDE que aponta para um retrocesso nesta matéria, sugerindo a criação de propinas por escalões de rendimentos. É inaceitável. As propinas e outras taxas abusivas são fintas à Constituição.

É tempo de retomar o caminho do fim das propinas. É hoje uma opinião partilhada por pessoas de vários quadrantes políticos que as propinas são um problema a ser ultrapassado. Podemos citar o Presidente da República, para quem a abolição progressiva das propinas "significa dar um passo para terminar o que é um drama, que é o número elevadíssimo de alunos que terminam o ensino secundário e não têm dinheiro para o ensino superior”.

A condição económica não pode ser uma barreira de acesso à Educação. Propomos um novo modelo de financiamento do Ensino Superior e da Ciência assente no princípio da justiça social, entendido no sentido de que ao Estado incumbe o dever de assegurar níveis de financiamento do ensino superior público que promovam a sua qualidade e progressiva gratuitidade. O Bloco de Esquerda propõe o fim das propinas nas licenciaturas já em setembro de 2024. Licenciaturas, Cursos Técnicos Superiores Profissionais e Mestrados Integrados devem deixar de ter propinas.

No novo modelo proposto pelo projeto de lei do Bloco, o financiamento público compensa as Universidades e Politécnicos por essa perda de receita, são proibidas taxas abusivas e é estabelecido um teto máximo nas propinas dos mestrados e doutoramentos.

Este é o caminho para um país mais justo e mais qualificado. Mais uma vez, é tempo de repetir que a propina dói! E não dói apenas aos estudantes, dói ao país!


Intervenção no debate parlamentar de 21 de abril de 2023 sobre este projeto de lei.

Sobre o/a autor(a)

Deputada e dirigente do Bloco de Esquerda, licenciada em relações internacionais.
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