Festim neocolonial

porFrancisco Louçã

11 de abril 2009 - 0:00
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As respostas à visita de José Eduardo dos Santos a Lisboa são uma fotografia de alguns dos debates ideológicos e políticos mais surpreendentes. A visita em si não teria história: Portugal tem relações diplomáticas e económicas com Angola e deve receber e conversar com os seus representantes. Mas o festim neocolonial que foi erguido com esta visita é revelador dos tiques da economia e da política portuguesa.

Em primeiro lugar, impressiona o deslumbramento. Retiro desta consideração os militantes anti-coloniais que, tendo conhecido Angola e a guerra, apoiaram generosamente os movimentos de libertação - e os conheceram e respeitaram quando eram movimentos de libertação, dirigidos por pessoas da estatura de Amílcar Cabral e outros - e ficaram por isso emocionalmente ligados a esta história de luta. Para todos os outros, a visita de José Eduardo dos Santos suscitou um coro de entusiasmo, sobretudo nos homens de negócios. Trata-se de uma gigantesca operação publicitária e ideológica.

Para Angola, todos e em força!, é a nova palavra de ordem dos empresários que esperam um lucro apetitoso ao virar da esquina. Os angolanos fazem como querem, diz Jorge Coelho, perguntado sobre a corrupção. Os negócios dizem que tem razão. E os empresários acotovelam-se nos jantares oficiais, ao lado dos que ainda acreditam que o governo angolano é um aliado da URSS e ao lado dos que já sabem que este governo é serviçal dos interesses de Washington no continente africano.

Angola é a oportunidade. A filha de Dos Santos (com que dinheiro?) compra bancos portugueses. O porta-voz presidencial de Dos Santos compra o "Sol" (com que dinheiro?). A Amorim Energia faz uma parceria com a Sonangol para tomar conta de um terço da GALP (sabemos com que dinheiro), oferecida de bandeja pelo governo Sócrates. Há muito dinheiro em Angola.

Por isso, em segundo lugar, impressiona a vertigem do negócio. Que explica tudo e desculpa tudo. Numa entrevista a um jornal económico português, um ministro angolano explicava a necessidade da corrupção: dizia que a burguesia europeia tinha feito a sua acumulação de capital com a pilhagem colonial e com a pirataria, e que a burguesia angolana também tinha que fazer pela vida. A franqueza é rara, mas é uma virtude: a corrupção endémica é a forma da acumulação de capital em Angola, para a constituição de um elite de milionários em torno do poder do presidente.

A corrupção foi por isso assunto tabu nesta viagem. Nenhum órgão de comunicação social se perguntou como é que o presidente angolano, há trinta anos no poder sem ser eleito, é hoje um dos homens mais ricos do mundo. Nem porque é que em Dezembro morreu uma centena de crianças em Luanda, de uma epidemia de raiva. Nem porque é que Portugal não coopera com a construção de um serviço nacional de saúde em Angola.

Em terceiro lugar, impressiona o cinismo. Os que rasgavam as vestes de indignação pelo referendo venezuelano que, através do voto, decidiu que Chavez se pode candidatar a eleições presidenciais sempre que quiser, e ser eleito se ganhar a eleição, esses mesmos acham normal que José Eduardo dos Santos seja presidente angolano desde 21 de Setembro de 1979, há trinta anos, e que nunca tenha sido eleito para o cargo. De facto, da única vez que foi a eleições, há 17 anos, não chegou a haver segunda volta e, mesmo que a nova guerra civil tenha acabado há mais de dez anos, o presidente nunca se deu até hoje ao incómodo de convocar eleições presidenciais. E, como explicou ontem em Lisboa, também não vai ser este ano.

O cinismo é parte da política e da diplomacia, dirão. Certamente, pelo exemplo fica demonstrado. Mas é preciso descaramento para atacar Chavez pelo crime de falta de democracia e elogiar Dos Santos pela falta de democracia. Mas o negócio não quer coerência, quer rentabilidade. No festim neocolonial em que se tornou esta visita, falou-se de tudo menos dos angolanos.

Francisco Louçã
Sobre o/a autor(a)

Francisco Louçã

Professor universitário. Ativista do Bloco de Esquerda.
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