Numa altura destas é dificílimo articular as nossas razões, dói não soltar o coração. Pelo contrário, precisamos escolher bem as ideias, alinhar sem ambiguidades as palavras. Ser cirúrgico. Neste torvelinho que se abateu sobre nós, preciso de pôr sobre o branco do papel meia dúzia de impressões. Perdemos em toda a linha, cada um de nós sabe como contribuiu, ou não, para a definição da estratégia que nos arrastou para este patamar. Não é decente vir a público discutir o assunto, nem apontar o dedo. Ao longo dos últimos dois anos, as decisões foram claras e indicaram aos nossos representantes o caminho a seguir. Resta-nos debater internamente os porquês do desaire. Opiniões diferentes e opostas equacionam-se da porta para dentro. Bem basta ouvir aquelas vozes exteriores e cobardes, tão amigos que eram, na imprensa. A essas responde-se com conhecimento e experiência e também na comunicação social. Faremos juntos este verdadeiro caminho das pedras.
A resposta de Fernando Rosas a Boaventura de Sousa Santos foi oportuníssima, caíu directa e certeira. Evidenciou um aspecto muito relevante que foi a utilização lapidar dos factos. As datas, os momentos. Tudo registado, uma resposta tão objectiva dificilmente pode ser retorquida. Um modelo para a nossa intervenção. Vamos lá aprender porque é desta clareza que nos temos de munir. São factos, senhor…
Claro que sofremos um duríssimo abraço de urso. Para que não restem dúvidas, basta lembrar as declarações de Ana Catarina Mendes nas horas imediatas à divulgação do resultado eleitoral. Dizia ela, muito senhora de si, a propósito da maioria absoluta que “agora” o PS poderia governar. Este advérbio de tempo neste contexto é revelador do pensamento e da armadilha longa e mansamente preparada. Quanto a mim, uma estratégia que começou a ser construída lá bem atrás, em 2015. O PS governou claro, às vezes contrariado porque teve de fazer algumas cedências. Vamos ver quais, até onde.
Acabei de ler Era uma vez Jorge Sampaio (ed. Tinta da China). Resultando da colaboração de tanta gente, o texto não é uniforme nem mesmo equilibrado. Mas ficamos com um retrato mais próximo da pessoa que Jorge Sampaio foi (e que nós somos). E através daquelas contribuições recolhem-se muitas dicas de inestimável ajuda para situações políticas em que, não raras vezes, caímos. Leitura concluída, não foi tempo perdido.
A propósito de aprender com os outros, doutro tempo e mesmo doutro lugar, o caso da extrema direita na Alemanha de hoje é muito interessante de seguir. Uma intervenção inesperada de Angela Merkel colocou a direita fascista no seu canto e, hoje, porque as consciências foram sacudidas, a direita fascista soma derrotas. Não há tempo nem espaço para concessões à direita fascista, a direita fascista não se apazigua nem converte. Quando o candidato da direita fascista à vice-presidência da AR é um ex membro do MDLP, não há rodriguinhos. Nós não queremos a AR nas mãos de tal gente. É preciso dizê-lo para que daqui a algum tempo não estejamos a lamentar ter sido pouco claros. O combate é total à direita fascista e se ela está representada na nossa Assembleia porque a Constituição o permite, então, a Constituição sofre de um inominável pecado e somos todos responsáveis. Não há tréguas nem brandura para a direita fascista, apenas firmeza e convicção. Com as armas que a Constituição e o regulamento da Assembleia nos autorizam, coloquemos a direita fascista no seu canto. Não será, pois, demais acompanhar o que se vai passando lá pelas bandas da Germânia.
Mesmo sem prazos nem pressas, o nosso debate sobre a derrota eleitoral tem de começar a acontecer enquanto estão frescos imagens, números, comentários porque a memória se esfuma. Por um lado, parece inadequado deixar arrefecer e, por outro lado, o debate vai prolongar-se, certamente estes últimos acontecimentos vão marcar a nossa agenda e é altamente improvável que ela se conclua célere.
Importa esmiuçar os porquês da derrota, escrutinar as opções feitas, os momentos dessas escolhas. Que as opções foram erradas, salta à vista. O que faltou, o que não foi dito e feito, as prioridades escolhidas, vamos mantê-las, vamos equacionar a sua ordem, como vamos intervir na vida pública, como reconquistar a confiança perdida. De uma coisa estou segura: o debate acontecerá nas estruturas partidárias, não na comunicação social. Sempre no apoio e defesa dos nossos deputados, no reforço das nossas convicções.