Falta de professores, há uma solução?

porNuno Pinheiro

13 de setembro 2023 - 10:11
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Ninguém tem dúvidas de que o ano que agora começa será marcado por novas lutas. O pior que pode acontecer, para o sistema educativo, é o ministério levar a sua avante e não ceder minimamente às reivindicações dos docentes.

Começa um novo ano letivo, os sindicatos de professores anunciam greves, o ministro lamenta-se com os interesses dos alunos e com o facto de não haver, desde há algum tempo, um ano letivo com normalidade. Mesmo quem não está ligado à educação sabe que há dois problemas relativos a professores por resolver: Apesar de uma luta prolongada, as reivindicações profissionais dos professores ficaram por atender; muitos alunos estiveram parte do ano letivo sem professor de uma ou várias disciplinas. Parecem problemas distintos, mas, como diz a canção, isto anda tudo ligado e ambos se mantêm no ano letivo que agora começa.

São problemas complicados, as suas soluções difíceis, e não chega usar a mala de viagem como prova de que os professores (em especial os mais jovens) andam com a casa às costas. Talvez o problema mais fácil de resolver sejam as reivindicações dos professores, é “apenas” uma questão de dinheiro. A questão mais conhecida é a do congelamento do tempo de serviço, algo que se processou por várias vezes desde o início dos anos 2000 e que se prolongou por Sócrates e Passos, até chegar quase a um terço do tempo necessário para chegar ao topo da carreira docente. Professores que na casa dos cinquenta poderiam estar nos escalões superiores, sabem que, sem esse descongelamento, nunca lá chegarão. Salários atuais e reformas são penalizados. Não é só o congelamento que o impede, mas também as alterações ao estatuto da carreira docente promovidas por Sócrates/Rodrigues. Todos se lembram das propostas para resolver a situação em 2019, da chantagem que Costa fez para evitar a contagem integral do tempo de serviço e de o PSD ter cedido a essa chantagem, votando no plenário, contra o que tinha aprovado na comissão de educação. O problema foi adiado em 2019, mas voltou em 2022/2023 e não creio que desapareça.

Para os professores mais jovens (que são poucos) há outros problemas, nomeadamente a “vinculação”, ou seja, passar a ter um contrato de trabalho efetivo, sem a incerteza de um ano estar no Algarve e no próximo em Trás-os-Montes. A promessa de Costa & Costa de deixar de andar com a casa às costas (o trocadilho faz-se sozinho) é um grande engano. Os que agora forem vinculados, para o ano são obrigados a concorrer ao país todo. As zonas pedagógicas, e há quem esteja colocado numa zona, o chamado QZP (Quadro de Zona Pedagógica), podem ir de Almada ao Poceirão (tentem ir de transportes, ou façam 600 km por semana de automóvel) e chegaram inovações que parecem destinadas a fazer novos sectores entrar em luta. Um professor do quadro de uma escola ou agrupamento pode ser obrigado a partilhar o seu horário entre dois agrupamentos da mesma zona (lá temos o percurso de Almada ao Poceirão).

A situação destes professores é contraditória com o “outro lado” do problema: A falta de professores, este é o problema mais difícil. Prevêem-se 3500 aposentações de professores para 2023, em 2019 cerca de 53% dos professores tinha mais de 50 anos, serão mais agora. O próprio ministério que, há poucos anos, negava o problema prevê que faltem 35 mil até ao fim da década. Com esta falta devia ser fácil encontrar e manter uma vaga perto de casa. Isso não acontece por haver uma política deliberada de precarização que dura há mais de uma década. Por medo da redução do número de alunos, evita-se a abertura de vagas no quadro das escolas e agrupamentos. Não creio que esta política alguma vez tenha estado certa, a redução do número de alunos poderia servir para reduzir o número de alunos por turma, mas quando começa a haver falta de professores (e o ministério sabe há anos que isso ia acontecer), é uma política completamente errada.

Esta falta de professores tem-se feito notar de forma crescente nos últimos anos, mas irá agravar-se. Este ano, houve cerca de 1.000 alunos a entrar para cursos de educação, menos de um terço das 3.500 saídas de professores previstas por reforma. E estes 1.000 alunos (serão menos a ingressar na carreira docente) só poderão entrar em atividade daqui a 5 anos. Como referi, o próprio ministério prevê uma falta de 35.000 esta década, seriam necessários 7.000 novos estudantes anualmente.

Lurdes Rodrigues e Crato tiveram políticas sistemáticas de perseguição ao professor que empurrou cerca de um terço dos professores no ativo em 2005 para fora da profissão

Há causas para isto. Lurdes Rodrigues e Crato tiveram políticas sistemáticas de perseguição ao professor que empurrou cerca de um terço dos professores no ativo em 2005 para fora da profissão. De 140 mil passou-se para 100 mil. Não só muitos foram empurrados para fora da profissão, como se criou um clima que não encorajava ninguém a tornar-se professor. Esse clima passou por, além da desvalorização social causada por interesses políticos, pela desvalorização material e pela degradação das condições de trabalho. A pressão para a saída foi complementada com a dificuldade na entrada. Hoje, nas escolas, são raros os professores de menos de 40 anos.

As soluções não existem a curto prazo. Nos próximos anos a situação vai continuar a degradar-se e vamos ver, cada vez mais, turmas sem professor e professores com habilitações insuficientes.

Há 40 ou 50 anos, quando o sistema educativo cresceu sem que houvesse professores qualificados para tantos alunos passou-se por algo semelhante. Os professores, muitos deles ainda a estudar, foram completando as licenciaturas e, posteriormente, fizeram a sua formação profissional. Enquanto estavam em formação, os professores davam aulas, eram remunerados e tinham tempo de serviço que era contado. Creio que parte da solução terá de passar por algo semelhante, permitindo recrutar jovens licenciados para o sistema educativo, pagando-lhes enquanto estão a trabalhar e a completar a sua formação profissional. Haverá custos, mas são menores do que não o fazer. Esperar que as pessoas adiram aos mestrados em educação (que são atualmente a habilitação necessária) estando sem receber e a pagar propinas, significa deixar que tudo piore.

Muitos restos do passado continuam por resolver. Todos os professores falarão numa avaliação burocrática e absurda e numa gestão unipessoal e antidemocrática. O atual sistema de grupos disciplinares e grupos de recrutamento está baseado numa divisão (além do 1º ciclo e do pré-escolar) entre 2º ciclo e 3º ciclo e secundário. Neste momento todos correspondem à escolaridade obrigatória e, em vez de escolas de Ciclo Preparatório (2º ciclo), temos escolas com os vários ciclos de escolaridade com todas as combinações possíveis. Importa acabar com estes grupos de recrutamento. A habilitação científica deve ser o único critério. As escolas na distribuição de serviço já podem atribuir as turmas por este critério, dando, por exemplo, turmas de inglês do 2º ciclo a quem está colocado em inglês de 3º ciclo e secundário, mas é uma flexibilidade que funciona num só sentido. O fim dos atuais grupos de recrutamento, bem como das restrições colocadas a alguns cursos (criados quando não havia falta de professores), melhoraria um pouco a situação.

Ninguém tem dúvidas de que o ano que agora começa será marcado por novas lutas, mesmo estando o Stop marcado por conflitos internos, os problemas mantêm-se. O pior que pode acontecer, para o sistema educativo, é o ministério levar a sua avante e não ceder minimamente às reivindicações dos docentes. O Thatcherismo de António Costa leva-o nesse caminho, quer esmagar uma classe que se revelou combativa, mas esse é o atalho que nos trouxe aqui e que afastará as pessoas da profissão docente. É que por muitas alterações e arranjos que se façam, sem haver confiança não se conseguirá recrutar novos professores e sem isso não há normalidade possível.

Nuno Pinheiro
Sobre o/a autor(a)

Nuno Pinheiro

Investigador de CIES/IUL
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