A face lisboeta da “austeridade inteligente”

porJoana Mortágua

14 de janeiro 2012 - 0:37
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É inaceitável que o executivo de António Costa se desresponsabilize, num momento como estes, de fazer o que lhe compete: ficar do lado dos cidadãos.

Qual é a distância que vai entre a opção, profundamente ideológica, do governo PSD/CDS pelo empobrecimento do país e a ação do executivo do PS em Lisboa?

Como outros dirigentes do PS, Carlos Zorrinho, responderia com toda a certeza que a diferença está na inteligência da austeridade.

Mas na prática, qual é a distância? É impor o limite ao défice na Constituição ou apenas numa lei de valor reforçado com os mesmo efeitos? É uma PT Bluestation no Chiado? ou o principio de alienação, de violação do que é de todos, da democracia e do património público, não é o mesmo?

O nome Baixa-Chiado era património da cidade, de todos os cidadãos e cidadãs de Lisboa, como qualquer espaço público. Agora é da PT que por sua vez também deixou de ser propriedade pública, deixou de servir a cidadania. Quando se trata de oferecer aos lucros privados o património público, os interesses são sempre os mesmos, sejam rosa ou laranja.

Num dos seus discursos na Assembleia Municipal, António Costa afirmou que com as novas obras o Terreiro do Paço voltaria a ser do povo. Só nos ocorre perguntar... e o resto de Lisboa, também será do povo?

Lisboa não está à venda, ao contrário do que António Costa pensa. É de todos os lisboetas. E por isso mesmo é inaceitável que o executivo de António Costa se desresponsabilize, num momento como estes, de fazer o que lhe compete: ficar do lado dos cidadãos.

Os cortes cegos que marcam este longo período de austeridade são na verdade muito certeiros, afetam em primeiro lugar e sobretudo a população com rendimentos mais baixos e a as famílias que foram empurradas para as periferias da cidade.

Solidariedade, responsabilidade, igualdade. Estes deviam ser os lemas de uma governação ao serviço das pessoas. Não é a assistência nem a caridadezinha muito agradecidas a um qualquer milionário que, favorecido por isenções e livre dos cortes, pode comprar a avenida da Liberdade durante vários dias com uma ínfima parte do que retira da exploração dos seus trabalhadores e fornecedores.

No final de novembro, depois do Governo ter anunciado e implementado cortes nos apoios sociais, cortes nas horas extraordinárias, cortes de 5% nos salários dos funcionários públicos, cortes nos subsídios de Natal e de férias, aumento dos impostos e do custo do acesso aos serviços públicos, o presidente António Costa veio finalmente anunciar o seu próprio plano não contra mas para contribuir para a crise social: o corte nas horas extraordinárias e no horário dos serviços municipais, com especial incidência nos serviços de recolha de lixo e dos bombeiros.

Aquilo que a Câmara dá com uma mão retira em dobro ou em triplo com a outra. E exatamente com a mesma arrogância com que o Governo atropela a concertação social, o executivo da Câmara ignora os sindicatos.

Com o desemprego a aumentar, os aumentos dos impostos e das taxas sobre os serviços públicos, dos transportes e da saúde e os cortes nos salários, tudo em nome de uma dívida impagável, em nome de um programa de austeridade recessiva que já não esconde ao que vem: empobrecer o país para garantir os lucros da banca e os caprichos dos mercados financeiros, o que o executivo do PS em Lisboa responde, na senda do que defende para o país, é que para austeridade, austeridade e meia. Em cima das medidas do governo, mais pobreza e mais desemprego.

É isto a austeridade inteligente? Terão os cidadãos de Lisboa vivido acima das possibilidades do resto do país? Será este um castigo especial a aplicar a Lisboa?

Austeridade inteligente é pôr em causa a segurança dos lisboetas impondo um quinto turno aos bombeiros sapadores quando isso diminui os efetivos disponíveis, fecha quartéis, diminui para metade a capacidade de resposta do Regimento e põe em risco a própria segurança dos bombeiros? É reduzir para metade os serviços mínimos durante a greve dos Bombeiros Sapadores para "evitar o pagamento das horas extraordinárias e de vencimentos"?

Depois de ter aprofundado a crise social, de ter imposto mais austeridade do que o Governo da direita, de ter posto em risco a segurança dos lisboetas, tudo em nome da poupança e do dinheiro que supostamente não existe... António Costa não tem uma explicação a dar sobre a noticia de que o reduzido número de concursos públicos e a elevada quantidade de ajustes diretos, assim como a grande quantidade de obras ao abrigo do estado de necessidade, aumentam os custos das obras adjudicadas em Lisboa. Perante a confirmação de que um número muito reduzido de empresas está a concentrar todas as adjudicações em Lisboa qual é a resposta que o Presidente tem a dar aos lisboetas e ao país? Afastar das obras públicas o vereador Nunes da Silva, responsável pelo relatório que trouxe um pouco de luz à opacidade dos negócios que retalham Lisboa.

Que austeridade é esta?

Nunca poderá haver austeridade inteligente porque não há inteligência possível na recessão, na pobreza e no desemprego. Mas ainda que fosse impossível conciliar o inconciliável, Lisboa não seria disso exemplo.

O PS tinha uma escolha, olhar para Lisboa e ver gente ou olhar para Lisboa e ver um negócio. Durante muito tempo permitiu-se fazer a escolha errada, mas agora essa escolha terá consequências gravíssimas na vida do povo de Lisboa, daquelas que trabalham ou estão desempregadas, dos estudantes e dos precários, das reformadas, dos mais pobres.

Joana Mortágua
Sobre o/a autor(a)

Joana Mortágua

Deputada e dirigente do Bloco de Esquerda, licenciada em relações internacionais.
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