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A exuberante virtude antissistémica

Os hotéis de Trump já cobraram ao governo o equivalente a 296 anos do salário do Presidente. Uma vez chegado à Casa Branca, aproveitou-se para fazer um lucrativo negócio em proveito próprio.

Donald Trump foi passar o réveillon na sua propriedade de Mar-a-Lago, em Palm Beach, na Florida, um resort de luxo que acolhe hóspedes bem pagantes. Levou com ele, como sempre, a comitiva familiar, os assessores, os seguranças, os amigos. É a 26ª visita às suas propriedades em três anos de mandato e a soma paga pelos contribuintes já se eleva a 118,3 milhões de euros, dado que as autoridades são forçadas a pagar a instalação de todo o pessoal (as suas viagens são preferencialmente para as suas próprias propriedades, já tendo visitado os seus resorts de Bedminster, em New Jersey, Doral, também na Florida, Turnberry, na Escócia, e Doonbeg, na Irlanda). Os lucros líquidos embolsados pessoalmente pelo dono do empreendimento, o próprio Trump, elevam-se a vários milhões de dólares, num total desconhecido dado que a fatura cobrada pela estadia dos seguranças e conselheiros é secreta.

A opacidade ainda é mais sofisticada, dado que os serviços da Casa Branca não revelam quem são os parceiros de golfe de Trump durante estas estadias. Não deixa de ser um assunto relevante: o atual Presidente já passou 227 dias em campos de golfe desde que foi eleito (Obama, por esta altura do mandato, tinha passado 88 dias e Trump criticou-o por perder muito tempo em divertimento trivial) e muitos assuntos são tratados com os parceiros selecionados para o acompanhar. Mas o mais curioso será lembrar que o inquilino da Casa Branca foi eleito com um aguerrido discurso contra o “sistema” e contra Washington, a capital descrita como o centro de malévolas maquinações de uma oligarquia habituada ao mando.

A reivindicação da virtude antissistémica foi elevada ao ponto de Trump prometer não cobrar o salário presidencial, dado ser muito rico (mesmo que continue uma dura batalha judicial para impedir a divulgação das suas declarações de impostos, que poderiam revelar ou privilégios, que são banais nessa tal oligarquia, ou que os seus proveitos são menos geniais do que o que sugere). No entanto, como lembra um jornal norte-americano, os hotéis de Trump já cobraram ao governo o equivalente a 296 anos do salário do Presidente. Em todo o esplendor, o Presidente revela assim a profundidade do seu impulso antissistémico: uma vez chegado à Casa Branca, aproveitou-se para fazer um lucrativo negócio em proveito próprio e para embolsar os lucros. Dificilmente se poderia pensar numa Washington-Jericó mais interesseira e corrompida.

Sobre o/a autor(a)

Professor universitário. Ativista do Bloco de Esquerda.
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