Os estudantes internacionais têm sido tratados por parte das Universidades como mercadoria. Representam uma fonte de financiamento para as instituições, chegando, por vezes, a pagar quatro e cinco vezes mais propinas do que um estudante com nacionalidade portuguesa. Ao mesmo tempo que são chamados a pagar quantidades exorbitantes, é lhes negado o acesso a alguns mecanismos de ação social. É preciso encarar a participação de cidadãos internacionais no Ensino Superior português com uma visão humanista e não mercantil.
Ao mesmo tempo que são chamados a pagar quantidades exorbitantes, é lhes negado o acesso a alguns mecanismos de ação social. É preciso encarar a participação de cidadãos internacionais no Ensino Superior português com uma visão humanista e não mercantil
Os responsáveis máximos pelo Ensino Superior em Portugal – reitores e Governos – perceberam que era mais fácil cobrar propinas altíssimas aos estudantes internacionais e apresentar o feito enquanto passo de gigante para a internacionalização da Academia portuguesa do que, como deveria ter acontecido, combater o subfinanciamento crónico vivido há, pelo menos, uma década.
Algumas IES, mesmo conhecendo as dificuldades que estes estudantes internacionais vivem, aumentaram o valor das suas propinas. Esta decisão, levada a cabo, por exemplo, na Universidade do Porto, terá consequências nefastas para muitos destes estudantes internacionais e o abandono escolar enquanto desfecho final é uma forte possibilidade.
A crise que a pandemia da covid-19 desmontou, da pior maneira, a teoria da repartição de custos que a Lei de Bases do Financiamento do Ensino Superior e o RJIES impuseram. A magia das receitas próprias cai por terra e as instituições estão a passar por dificuldades financeiras graves. A fatia desse bolo são as propinas dos estudantes internacionais e, se faltarem neste momento, criam problemas de tesouraria na ordem dos milhões de euros. É o problema quando tratamos pessoas como mercadoria.
Tenho reunido com grupos de estudantes internacionais de várias Universidades e Politécnicos. Dos vários testemunhos, podemos concluir duas coisas: quem regressou ao seu país de origem pode não voltar a Portugal, os que por cá ficaram estão sem qualquer tipo de apoio social. A ideia de que a maioria dos estudantes internacionais são ricos é um mito urbano que precisa ser desmontado. Em primeiro lugar, estamos a falar de comunidades oriundas de países com níveis de pobreza e exclusão social grandes. São disso exemplo os países dos PALOP e o Brasil. De todos estes, destaco a comunidade brasileira, sem dúvida, a maior parcela e a mais afetada neste momento.
Foram os próprios diretores dos Serviços de Ação Social de várias instituições com quem reuni que propuseram o alargamento da aplicação dos seus fundos de emergência à comunidade académica internacional. Uma proposta mais do que sensata. Se acompanhada pelo congelamento de qualquer aumento de propinas e a possibilidade as pagar aquando do término do curso, pode subverter a tendência de abandono.
Tal como no Orçamento do Estado para este ano, garantimos mais uma descida do valor das propinas e cerca de mais dez mil bolsas de ação social já a partir de setembro, agora é o momento de apoiar. Não aceitamos a ideia de que precisamos de abandonar uma frente de batalha para reforçar a outra. Todos os combates contra o abandono escolar são estratégicos para darmos um pontapé na crise.
Artigo publicado em publico.pt a 16 de junho de 2020
