“Estamos aqui pela Terra”

porEduardo Couto

19 de abril 2022 - 21:03
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Um ativista autárquico deve ter a consciência da responsabilidade que acarreta consigo. Afinal, assuntos como a privatização da água, a poluição do meio ambiente, a falta de transportes públicos, são ou não temas intrinsecamente associados ao modelo capitalista?

Quem foi autarca, quem o é ou simplesmente quem acompanha a política local, sobretudo nos lugares mais distantes dos grandes centros urbanos, onde proliferam os debates pseudointelectuais das grandes cidades, está acostumado a ouvir de muitas vozes (habitualmente apegadas a uma causa e militantes de algum partido) que “aqui não entram partidos”, pois “estamos todos com a mesma camisola” e muito “unidos pela nossa terra”. Ouvem-se este tipo de afirmações de praticamente todos os quadrantes políticos, aliás, por alguma razão a cidade do Porto conheceu e provou durante alguns anos aquela que era uma vodka cor-de-laranja.

Acontece que, por muito que alguns tentem convenientemente esconder, o debate nas Assembleias de Freguesia, Assembleias Municipais e, claro, Câmaras Municipais é profundamente ideológico. Esta ideia, que para alguns é aparentemente inocente, de que somos todos “bons samaritanos” e devemos esquecer as nossas diferenças políticas e ideológicas logo depois do dia das eleições, tem um grande significado.

Em pensamentos e filosofias que se regem desde o anti-capitalistismo à social-democracia existem valores que devem ser sempre respeitados. Entre eles, a integridade. Um ativista autárquico deve ter a consciência da responsabilidade que acarreta consigo. E deve, acima de tudo, politizar e problematizar todo e qualquer assunto com que se depare. Afinal, assuntos como a privatização da água, a poluição do meio-ambiente, a falta de transportes públicos, são ou não temas intrinsecamente associados ao modelo capitalista? Ou só combatemos o capitalismo quando o podemos romantizar em discussões de grande envergadura?

A política local não deve ser menosprezada no Bloco de Esquerda nem em qualquer movimento social que procure uma transformação da realidade concreta da vida das pessoas. Como mulheres e homens de esquerda que ambicionamos romper com o status-quo, temos a obrigação moral de o combater em todas as frentes. Por muito secundário que pareça, os debates dos órgãos de decisão locais afetam diariamente a vida das pessoas deste pais, e devem ser valorizados.

As barreiras arquitetónicas, as políticas sociais, a habitação com dignidade, os espaços públicos para toda a população, o isolamento da comunidade idosa, o ambiente, os transportes públicos e tantos outros assuntos devem estar no centro da nossa atuação.

Ser de Esquerda não pode ser um sinónimo de se dar ao privilégio de debater mera teoria sem a querer aplicar, independentemente da escala ou da dimensão. Já dizia alguém que: “Os filósofos limitaram-se a interpretar o mundo, é preciso transformá-lo”.

Eduardo Couto
Sobre o/a autor(a)

Eduardo Couto

Educador Social e ativista LGBTQIA+. Dirigente do Bloco de Esquerda
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