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Escolas e enfermagem: a tentação de fugir em frente

Já se sabe que fugir em frente só serve para fugir e, portanto, pode servir para tudo menos para caminhar em frente.

É para mim um mistério o que quer o Governo com os conflitos na educação e na saúde.

Podiam-se colocar até agora várias hipóteses interpretativas. A primeira seria que o Governo queria agravar o conflito para correr tudo a eito com requisições civis, mostrar força, exibir algum quebra-sindicalismo, acenar a setores moderados e disputar eleições com o maioria-absoluta-ou-morte. Essa interpretação tem credibilidade, a questão terá mesmo sido discutida nos meios governamentais, e já me pareceu a mais sensata na análise do que seria um comportamento insensato. Mas, se fosse assim, para quê então esta coisa de reabrir negociações? Ainda por cima, com professores e enfermeiros ao mesmo tempo, como se houvesse vontade de juntar todos na mesma agenda?

A segunda interpretação seria que o Governo se deu conta da impopularidade da arrogância, que é o seu ponto mais fraco para as eleições de 2019 e, ainda, que teria percebido que este rapapé de associações patronais e consultores da banca a recomendarem a maioria absoluta do PS só pode estimular a fome partidária ao mesmo tempo que agrava a desconfiança, alargando o fosso entre o triunfalismo governista e o receio dos seus próprios eleitores. E que, então, mais valeria negociar e procurar paz nas escolas e nos hospitais. Mas, assim, para quê começar a falar com os professores para lhes explicar que não muda nem uma vírgula e que só conversa se os sindicatos aceitarem que o Governo lhes dite os termos da rendição?

O que há de comum em ambas as interpretações é que se baseiam em alguma forma de racionalidade e cálculo político ou eleitoral. Ora, resta a pergunta mais difícil: e se não houver nenhuma racionalidade? Se for unicamente um jogo flutuante em que cada ministro se limita a fingir? Esta é a hipótese mais assustadora. E com alguma consistência, dado que o Governo abre negociações e poucas horas depois uma fonte de Centeno comunica ao Expresso que “não há dinheiro”. É para ser notada a marcação do terreno, nada acontece por acaso. E logo o ministro da Educação diz na negociação que não há nada para negociar e a ministra da Saúde anuncia, antes da negociação que tinha reaberto, que afinal não é para tratar de salários e carreiras porque a solução é ficar tudo como está.

Naturalmente, comparada com as duas hipóteses anteriores, a tremendista e a negocial, a do fingimento é a pior de todas. É sempre uma má política, porque a artimanha, como as rosas, só dura um dia e porque deixa uma cultura de desconfiança em futuras negociações com estes ministros. A ministra da Saúde tem em mãos o dossiê sensível da Lei de Bases. O recado para o outro lado da mesa é que faz proposta se houver incêndio, mas a proposta não é para ser considerada? É ainda uma política errada, porque não traz satisfação a ninguém: nem a quem quer conflito, nem a quem quer paz. Nem o Governo se mostra forte, porque isto é fraqueza, nem se mostra capaz de resolver problemas, porque isto é o simples poder de recusar. E facilita a vida a quem se põe no lugar da negociação, sejam os sindicatos, sejam os partidos que queiram soluções de confiança. Dar de bandeja não costuma ser boa estratégia, perder a iniciativa menos, mostrar duplicidade menos ainda. Já se sabe que fugir em frente só serve para fugir e, portanto, pode servir para tudo menos para caminhar em frente.

Artigo publicado em expresso.pt a 26 de fevereiro de 2019

Sobre o/a autor(a)

Professor universitário. Ativista do Bloco de Esquerda.
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