Entre novembro e dezembro reunirá nos Emirados Árabes Unidos a COP28, a conferência das Nações Unidas para gerir as medidas urgentes de adaptação climática. Na cimeira anterior, realizada no Egito, tinha-se notado a dupla ofensiva das empresas de combustíveis fósseis: o número dos seus delegados ultrapassava o de qualquer país africano, na cimeira festejada por se realizar em África, e os representantes dos Emirados tinham aumentado de 176 em Glasgow para 1070, conseguindo a escolha do seu país para albergar a conferência seguinte. O seu sucesso foi coroado agora pela nomeação do sultão Al Jaber para a presidência da conferência. Esta decisão consagra um fracasso da ONU e a sua captura pelos representantes diretos da indústria cuja poluição ameaça o planeta. As consequências são devastadoras.
A raposa no galinheiro
Al Jaber foi apresentado como um defensor da transição climática. Em fevereiro, garantiu o compromisso do seu país, que é o 11º maior produtor mundial de combustíveis fósseis: “Nos Emirados não fugimos da transição energética e avançamos nesse sentido.” Em março, declarou no Dubai que “o mundo tem que reduzir rapidamente as emissões”. Acrescentou que “as empresas de gás e petróleo devem alinhar-se pela meta das emissões zero”. O problema é que se trata de um fingimento. Al Jaber dirige a empresa nacional de energia, a Adnoc, e está a aplicar o terceiro maior plano mundial de expansão da extração e produção de combustíveis fósseis, só ultrapassado pela Aramco da Arábia Saudita e pela empresa do Catar, tendo como objetivo produzir mais 7,6 biliões de barris de petróleo equivalente nos próximos anos (a Agência Internacional de Energia afirmara que só o bloqueio de todos os planos de expansão a partir de 2021 permitiria reduzir a metade as emissões em 2050, o que é assim violado).
O secretário-geral da ONU, António Guterres, tem-se empenhado em denunciar a inação e a mentira que a protege
As críticas foram imediatas. Um grupo de representantes do Parlamento Europeu e do Congresso dos EUA constatou que “a COP20 perdeu a credibilidade”. Uma eurodeputada francesa, Martine Aubry, resumiu a questão: “É como se passássemos a ter uma multinacional de tabaco a superintender o funcionamento da Organização Mundial da Saúde.” A resposta foi imediata, e um exército de perfis falsos e bots lançou uma campanha de charme elogiando o sultão como “aliado” do ambiente — um dos primeiros exemplos de como a inteligência artificial está a ser usada para gerir interfaces simulando humanos na promoção da mentira em escala planetária.
É só fazer as contas
Mais do que qualquer outro representante institucional mundial, o secretário-geral da ONU, António Guterres, tem-se empenhado em denunciar a inação e a mentira que a protege. Empenhou-se em que a organização pressione os países e as indústrias para as mudanças que devem ocorrer imediatamente, constatando que as promessas não são cumpridas. Na Cimeira de Glasgow, Guterres utilizou termos fortes: “Chega de tratar a natureza como toilette, chega de nos matar com carbono”, tendo recordado que o ritmo de aumento do nível médio das águas do mar duplicou nos últimos 30 anos e que os oceanos estão mais quentes do que nunca, ou que a região do Amazonas já emite mais carbono do que o que absorve. Estamos portanto a perder em todos os terrenos: os sumidouros das emissões estão a ser destruídos com a desflorestação e as emissões estão a aumentar, até se relançando o uso do carvão (a China duplicou o seu uso em 20 anos). Por isso, quando apresentou as conclusões do relatório de 2022 do painel da ONU sobre alterações climáticas, Guterres acrescentou que “alguns Governos e líderes empresariais estão a dizer uma coisa mas a fazer outra”, ou a mentir aos seus povos.
Tudo tem um preço
O gráfico anexo, que foi divulgado pela revista “The Economist” a partir dos dados da ONU, retrata a situação atual, indicando o efeito da trajetória atual (poderia chegar a mais 3°C em 2100), o que resultaria das promessas para 2030 (mais 2,4°C) e o que seria necessário para cumprir a meta de Paris (mais 1,5°C do que a média da temperatura pré-industrial, já com consequências pesadas na vida humana).
O fracasso tem um custo. Solomon Hsiang, de Berkeley, e Robert Kopp, da Universidade Rutgers, publicaram um estudo sobre o efeito da evolução climática em diversas regiões dos EUA. Segundo eles, mais 1,5°C implica uma queda do PIB global que pode chegar a 1,7%; mas em alguns condados poderá ser de 20%. Estudos sobre outros países, como os do painel da ONU, apontam para resultados mais pesados. A desertificação de partes da Europa ou África, o degelo polar ou os fenómenos extremos, de que já temos tido sinais, são consequências inevitáveis do aumento da temperatura. Ou seja, pobreza e guerras. Pelo menos por isso, a escolha do sultão Al Jaber para dirigir a Cimeira da ONU pediria pelo menos a invenção de mentiras novas.
Artigo publicado no jornal “Expresso” a 16 de junho de 2023