A escola pública tem um papel estruturante no desenvolvimento humano e na promoção de uma sociedade verdadeiramente livre e democrática. É uma ferramenta de equidade que deve elevar ao máximo cada potencial, sem a qual se perpetuam desvantagens e se cria um sistema dual de classe. O seu impacto na progressão de cada jovem é a verdadeira medida do sucesso e não um ranking que compara o incomparável para destruir uma conquista fundamental aumentando a transferência de verbas do Estado.
Uma escola de qualidade proporciona experiências e vivências para que os jovens se desenvolvam de forma holística com valores democráticos e capacidades cognitivas complexas como o pensamento crítico e de criatividade, atingindo o máximo do seu potencial e os seus objetivos de vida.
Sem isso, o crescimento emocional e a dimensão biológica de construção do ser humano são postos em causa, pela carência de um investimento pedagógico atempado e competente, bem como de relações sociais de qualidade.
Não ter um ensino com equidade vai perpetuar uma desvantagem social, económica e pessoal pré-existente, que falseia o tal “mérito” que tanto se apregoa. Por isso a equidade é o conceito chave para combater as desigualdades e garantir igualdade de direitos e oportunidades.
É sabido que as habilitações e condições socioeconómicas das famílias são determinantes no sucesso e no próprio desenvolvimento pessoal, intelectual e neurológico, nomeadamente pela dificuldade de aceder a experiências, vivências e relações de qualidade desde os primeiros anos de vida
Esta construção emocional e cognitiva necessita também de uma aprendizagem ativa num ambiente pedagógico rico onde se privilegia o conhecimento científico, bem como o debate, a autonomia, o desafio e o sabor da conquista do coletivo.
A escola desde o primeiro ano de vida, com finalidade educativa e de desenvolvimento do ser humano em todas as dimensões, tem especial relevância como fator de equidade contra a perpetuação da desigualdade que cada um já transporta.
A Escola Pública é fator de equidade e combate as desigualdades
A escola pública tem de ser transformadora e inconformada porque quando falha como fator de equidade, hipoteca o futuro dos mais vulneráveis, que não podem aceder a recursos educativos complementares, explicações e atividades externas, que as famílias com mais capacidade económica podem proporcionar.
Não é apenas um serviço público a par dos restantes, mas sim um grande motor de transformação, que, quando atacado, dividido ou empobrecido, falha aos mais desfavorecidos e aos próprios direitos humanos.
Por tudo isto não se pode monitorizar o sistema sem primeiro garantir a igualdade de oportunidades, sem a qual não há avaliação que seja séria.
Lutar por uma Escola Pública universal de qualidade é uma conquista de Abril e uma luta civilizacional pela plenitude de cada ser humano, pela justiça social e por um futuro em liberdade.
A mentira dos rankings não promove a melhoria do sistema
Os rankings fazem parte desta mentira de que se pode comparar o incomparável. Através das notas, não se podem comparar escolas com número diferente de alunos, com diferenças socioeconómicas e de escolaridade das famílias.
Uma coisa é trabalhar para notas e fazer bonito num exame e outra coisa, bem mais necessária, é ensinar, desenvolver e promover cada aluno. Muitas vezes ao centrarmo-nos na primeira, pomos em causa a segunda e às tantas estamos a inflacionar notas em busca dos resultados numéricos vantajosos para objetivos menos claros.
É desonesto comparar as escolas que selecionam alunos pelo desempenho e pelas possibilidades económicas de pagar mensalidades elevadas, com as escolas públicas onde está toda a população, nomeadamente os mais pobres, com ação social escolar, com mais desvantagem sociofamiliar, imigrantes que não dominam a língua portuguesa, repetentes, alunos com absentismo elevado, com dificuldades de aprendizagem, com necessidades educativas diversas, com deficiência, vítimas, com necessidade de apoio e de medidas equidade e até com carências básicas alimentares, de assistência médica ou psicológica.
São muitos os fatores que contribuem para o sucesso dos alunos, existindo dimensões não avaliadas como a gestão escolar, os progressos de cada Agrupamento na resposta dada, a melhoria face à avaliação interna e externa periódica, os contextos onde a escola se insere, o trabalho realizado pela comunidade, a realidade dos alunos migrantes, ou até o peso das explicações nos resultados dos exames, por exemplo.
Deveriam ser escolhidas amostras equivalentes, acautelando as variáveis que pautam as diferenças. O esforço que as escolas públicas fazem não tem comparação e a evolução e progresso dos seus alunos mostra a sua verdadeira qualidade.
Se pegarmos numa escola privada e compararmos com uma amostra equivalente do público, é claro que o resultado seria bem diferente, mas isso não serve ao propósito de atacar o setor público, num dos países da Europa onde o setor privado já tem o maior peso e o maior na primeira infância.
Esta promoção gratuita ao ensino privado esconde realidades difíceis e complexas das escolas em contextos desfavorecidos que não excluem e se mobilizam para atender todos sem exceção, com enorme esforço da comunidade educativa, nomeadamente dos professores. Escolas que não desistem de desenvolver ao máximo o potencial e os objetivos dos alunos, apesar dos investimentos em Educação não irem ao encontro das suas verdadeiras necessidades.
Há melhores formas de analisar esta realidade e contribuir para a sua monitorização e melhoria da qualidade educativa, nomeadamente através da comparação dos valores esperados para cada contexto e os valores que acabam por se revelar, ou quando se valoriza o percurso de cada aluno na escolaridade obrigatória e depois no percurso universitário. No fundo, ter em conta o ponto de partida e de chegada e a grande variedade de fatores implicados.
Juntam-se ainda os arautos do comentário mediático, culpando as greves e as faltas dos docentes, quando é óbvio que o problema da falta de professores tem a ver com a forma como os professores têm sido tratados, o abandono dos jovens que escolhem outro futuro, o envelhecimento dos quadros e obviamente a má gestão de décadas que levou à saída de muitos profissionais.
O sistema público e o sistema privado podem coexistir, mas com respeito pelas especificidades e público alvo de cada um, não numa perspetiva de antagonismo, que sabemos ser artificial, usando números que não espelham a realidade, nem contribuem para uma intervenção adequada e construtiva.
Ao Estado cabe garantir a Constituição através de um ensino de qualidade universal e gratuito para todos e todas e é nessa construção que devem centrar-se os investimentos. O ensino privado tem toda a liberdade de se implementar e fazer negócio, mas não à custa de dinheiro público, que parece ser o objetivo último dos rankings e de tantas manobras a que temos assistido.
