A Mariana começou a série de debates em grande forma, encostando Luís Montenegro às cordas durante toda a curta discussão. Saúde? Num tema difícil, dada a grande ofensiva ideológica da direita, a pedagogia venceu a demagogia. Habitação? Um arraso. Economia? Bastou lembrar o mantra de Montenegro que sacrifica a vida das pessoas ao sucesso de uma economia dos ricos. Não é que Montenegro tenha estado em má forma, não esteve. Mas a Mariana demonstrou ser porta-voz da esquerda de combate que pode travar a direita.
O assertivo «não, não pode» que pipocou nas redes nos dias seguintes não foi só a celebração de uma combatividade feminista que não se deixa interromper. O «não, não pode» ecoou a atitude de uma esquerda que não fica na defensiva, mesmo no atual cenário difícil.
A ressaca deve ter sido dura para os direitistas. Não só para o PSD: toda a direita entendeu que os seus pressupostos comuns foram ao tapete naquele debate. E, por isso, toda se mobilizou para tentar virar o jogo já depois do fim da partida. A aposta foi no spin, no golpe baixo, na cumplicidade e no eco acrítico dos grandes média — terrenos onde o argumento vale menos, logo, onde a direita vale mais. E vai que, num qualquer bas fond reacionário, desencantaram a avó de Mariana Mortágua e, sem pejo nem argumentos, quiseram ir por aí. Os ataques são conhecidos, tais como as respostas, que esclareceram cabalmente o que não carecia sequer de explicação.
Mas a pergunta que fica é: porquê a avó?
A primeira resposta é evidente: não tinham por onde pegar. Mas ainda assim…
A segunda resposta também é mais ou menos certa: confrontados com a crueldade da sua Lei do Arrendamento, a direita quis desvalorizar com um subterfúgio de baixo nível.
Penso, contudo, que há uma outra razão para a paranoia com que fomos brindados na sequência do debate. Com diversos matizes e variantes, as direitas têm uma nova «narrativa». Agora, acham, eles é que são o povo, os de baixo, os injustiçados. São os contribuintes contra o Estado, os «portugueses de bem» contra os corruptos, a classe média (termo que no nosso país pretende abranger todos os que não são nem miseráveis nem milionários) contra o «socialismo», o povo contra a casta. Esta «rebeldia de direita» une desde os libertários tipo Milei acantonados na IL, aos populistas neofascistas ancorados no Chega, chegando mesmo à AD que, incapaz de ter discurso próprio, vai imitando os seus parceiros. Claro que cada um projeta nessa «narrativa» os seus públicos-alvo: a AD quer reconciliar-se com os pensionistas, a IL pesca entre a juventude frustrada e o Chega simula um discurso contra a banca, fingindo-se capaz de morder a mão do dono, para apelar ao ressentimento dos pobres. É paradoxal, um mundo ao contrário, mas é onde chegámos: os representantes das elites a fingirem que se lhes opõem para crescerem entre os pobres e remediados. Qualquer semelhança com os anos trinta do século passado não é mera coincidência.
Por isso, não perdoaram que aquela que se destacou como a mais capaz debatente da esquerda, numa referência pessoal, recolocasse o mundo tal como ele é: a esquerda ao lado dos expropriados, a direita ao serviço dos expropriadores. Nós, a esquerda, somos a expressão política dos de baixo. A direita sabe-o, mas aposta forte em fazer o país crer no inverso. Foi isso que os exasperou na referência de Mariana à sua avó.
Não por acaso, na recente sondagem ICS-ISCTE para as presentes eleições, fica patente que as classes populares tendem a votar mais à esquerda, tal como as mulheres (no nosso país, ainda com os mais baixos salários). E que o Bloco de Esquerda é, de longe, o partido cujos eleitores mais assinalam viver em situação económica «difícil ou muito difícil». Podem esforçar-se comentadores e afins por pintar uma esquerda confortável, dita do caviar e do iphone, e uma direita plebeia e popular. Mas não é assim tão simples.
Estamos, sim, a falar para quem menos tem e quer votar em que não dá descanso ao poder das elites. Reforçar esse vínculo e mobilizar para as urnas e para as ruas essa reserva social é determinante para, dia 10 de março, conquistar uma maioria contra a direita, onde o Bloco se destaque, com força para luta por mais direitos. É isso que deixa a direita desesperada e, no desespero, apelarão aos truques mais sujos, com avós, tias e muito mais. Eles que venham. Não lhes damos descanso.
