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E que tal falar do que realmente importa?

De repente, cria-se um factóide em torno da ideia (falsa) de que um coletivo de juízes deliberou que o álcool pode melhorar a produtividade. Todavia, o que realmente importa é que esta sentença diz que uma empresa não pode despedir um trabalhador com base em informação ilegalmente obtida.

A falta de humor, a desinformação e o disparate acrítico têm destas coisas: de repente, cria-se um factóide em torno da ideia (falsa) de que um coletivo de juízes deliberou que o álcool pode melhorar a produtividade. Todavia, o que realmente importa é que esta sentença diz que uma empresa não pode despedir um trabalhador com base em informação ilegalmente obtida. O resto, é sentido de humor (ou falta dela).

Em fevereiro de 2012, dois trabalhadores de uma empresa de recolha de resíduos urbanos tiveram um acidente. Foram levados para o hospital. No âmbito dos procedimentos médicos, foram-lhes feitas análises clínicas. A entidade empregadora acedeu ilegalmente aos resultados confidenciais e pessoais destas análises. Constatou que os funcionários estavam alcoolizados. Com base nesta informação ilegalmente obtida, a empresa despediu os trabalhadores alegando justa causa.

Um dos trabalhadores despedidos interpôs um processo à empresa, contestando o despedimento: o tribunal de primeira instância instância decidiu a favor do trabalhador; o Tribunal da Relação decidiu a favor do trabalhador.

Aparentemente, a sentença do Tribunal da Relação padece do grave problema de ser pontilhada com apontamentos de humor o que de imediato atiçou um coro de bruxas cantando impropérios contra uma sentença ainda não transitada em julgado.

Extra o fogo de vista, os exageros e a falta de humor de alguns, há que ter em atenção o que realmente: uma empresa de recolha de resíduos despediu dois trabalhadores tendo por base informação privada e ilegalmente obtida. Portanto, o despedimento é evidentemente ilegal

Acresce que o regulamento da empresa nada refere quanto à presença ou ausência a álcool para o desempenho de funções; a empresa pode alegar que decorre do bom-senso mas bom-senso cada um tem o seu e faz dele o uso que lhe convém, conforme lhe convém. Precisamente por isso, e porque o patrão é sempre o elo mais forte da relação laboral, existe o direito do trabalho que regula uma relação entre partes desiguais.

Portanto, a entidade patronal não pode aceder a informação sobre o estado de saúde do trabalhador nem usar essa informação para contratar ou despedir. Por isso, o patrão não pode despedir alguém por ter HIV, cancro, hepatite ou qualquer outra doença. E isso é que importa.

Portanto, o patrão não pode despedir uma mulher grávida, puérpera ou lactante. E isso é que importa.

Portanto, a duração da jornada de trabalho é estipulada por lei, bem como a obrigatoriedade de gozo de férias. E isso é que importa.

Portanto, o que realmente importa no caso em apreço é que a entidade patronal despediu ilegalmente dois trabalhadores. O resto, é fogo de vista. E falta de sentido de humor!

Sobre o/a autor(a)

Dirigente do Bloco de Esquerda, deputada na Assembleia Municipal de Braga, ativista contra a precariedade
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