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É possível combater o desemprego jovem a partir do ensino superior?

O "Estado da Educação 2016" apresenta-nos um conjunto de dados imprescindíveis para uma análise rigorosa que podem e devem servir de suporte a uma reflexão e posterior produção de medidas políticas a tomar no Ensino Superior e na Ciência.

Foi publicado o principal estudo que o Conselho Nacional de Educação produz anualmente. O "Estado da Educação 2016" apresenta-nos um conjunto de dados imprescindíveis para uma análise rigorosa que podem e devem servir de suporte a uma reflexão e posterior produção de medidas políticas a tomar no Ensino Superior e na Ciência. O que nos diz o "Estado da Educação 2016"?

Sobre o número de estudantes inscritos no Ensino Superior

"Entre 2007 e 2016 registou-se um decréscimo de 10.130 estudantes inscritos no ensino superior, o que correspondeu a -2,82% na década em análise. Nos dois últimos anos houve um aumento de 6741 inscritos, ou seja mais 1,92%". Estamos longe e praticamente condenados a incumprir o objetivo de alcançar 40% de diplomados com idades entre os 30 e os 34 anos até 2020 (em 2015, atingimos a percentagem de 31,9%). Mais do que um número abstrato, esse indicador é imprescindível: é o próprio Instituto Nacional de Estatística a comprovar que quanto maior é o grau académico, mais resilientes são as camadas jovens ao flagelo do desemprego.

Sobre o número de bolseiros de doutoramento

"Entre 2007 e 2015 houve um decréscimo de 21,9%, o que corresponde a menos 1226 candidaturas apresentadas."

O estudo é rico e oferece-nos outros dados: no que toca ao número de bolseiros de doutoramento, em 2007 registavam-se 70 603 bolsas de doutoramento, em 2015-16 o número é menor, situando-se nas 69 343. Sobre esta matéria, convém assinalar que foi no ano de 2012 que se atingiu o menor número de bolsas de doutoramento desde 2007: apenas 56 017. Apesar de um esforço para trocar a política de austeridade por um aumento das bolsas de doutoramento, os números demonstram que o esforço ficou aquém do necessário e só uma política consistente, que combine mais investimento público na investigação com a estabilização destes profissionais com a sua entrada na carreira, será capaz de impor uma inflexão na lógica seguida até então.

Sobre o desemprego jovem:

Num artigo do Expresso, o Dr. Marco Capitão Ferreira sintetiza os últimos dados relativos ao desemprego que o Instituto Nacional de Estatística publicou: "Há vários anos que a taxa de desemprego entre jovens se mantém bastante elevada face ao total do desemprego, tendo chegado a atingir os 40%." Atualmente, esse valor situa-se nos 24%, bem acima dos números gerais do desemprego: "O ritmo de redução do desemprego jovem tem vindo a perder capacidade de acompanhar a diminuição geral do desemprego." E aponta alguns trajetos possíveis para a resolução do problema: "Medidas na área do ensino profissional, da criação de melhores apoios para o acesso ao ensino superior, e de um aperto determinado sobre os falsos estágios que servem apenas uma lógica de trabalho precário, informal e barato serão, certamente, vetores a considerar."


 

Os dados do desemprego jovem que o Instituto Nacional de Estatística (INE) nos apresenta, relacionados com os números relativos ao número de estudantes inscritos no ensino superior e a quantidade de bolsas de doutoramento financiadas pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia potenciam duas reflexões. A primeira delas sobre os mecanismos de ação social no ensino superior: são suficientes? Faz ou não sentido rever o Regulamento de Atribuição de Bolsas de Ação Social do Ensino Superior para garantir uma maior abrangência? A segunda sobre o financiamento do Sistema Científico e Tecnológico Nacional (STCN): as cativações a que a Fundação para a Ciência e a Tecnologia foi sujeita puseram ou não em causa a execução do Programa de Estímulo ao Emprego Científico? A falha a que assistimos até agora na aplicação da Lei 57/2017 serviu de desculpa para os reitores não contratarem?


 

É possível combater o desemprego jovem a partir do ensino superior? Sim. Os mecanismos para esse fim têm de ser múltiplos, diretos e indiretos. Um desses exemplos é o estímulo ao ingresso no ensino superior, não só através do contingente normal como a partir de programas como o +23. Combater o abandono escolar e atacar a precariedade na ciência são, claramente, duas saídas eficazes para o efeito. Haja vontade política para questionar o défice cego, que impede um maior financiamento do setor, e o que hoje é assumido como despesa rapidamente se transformará em investimento essencial ao progresso do país.

Artigo publicado no “Diário de Notícias” a 27 de janeiro de 2018

Sobre o/a autor(a)

Museólogo. Investigador no Centro de Estudos Transdisciplinares “Cultura, Espaço e Memória”, Universidade do Porto
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