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E o Governo português, vai ser o último reduto de defesa das patentes contra a saúde pública?

Exige-se do Governo português que abandone os falsos argumentos sobre a inexistência de capacidade produtiva no mundo, que abandone a posição que teve na Organização Mundial do Comércio e que defenda a saúde pública.

Do outro lado do Atlântico chega a notícia: os EUA mudaram a sua posição em relação às vacinas contra a Covid-19 e passarão a defender o levantamento das patentes.

Biden está longe de ser um socialista e certamente não corresponde à caricatura de perigoso comunista que Trump lhe tentou colar à pele. Que terá acontecido, então? A administração norte-americana concluiu, finalmente, que essa é a única forma de intensificar a produção, ou seja, a única forma de intensificar a vacinação. Concluiu, finalmente, que a universalização da vacina é a forma de controlar a pandemia. Que ou nos vacinamos todos, em todo o mundo, ou não encontraremos porta de saída.

Coloca-se agora a questão: e a União Europeia? E a presidência portuguesa da União Europeia?

Vão continuar a aceitar uma vacinação lenta e assimétrica entre os vários estados, tudo em nome dos interesses dos laboratórios farmacêuticos? Vão continuar a bloquear a proposta de dezenas de países que defendem o levantamento das patentes; que dizem ter capacidade para produzir mais vacinas se essas patentes forem levantadas? Vão ser o último reduto da defesa da capitalização bolsista da Pfizer em detrimento da saúde pública?

António Guterres já o disse há vários meses: é preciso partilhar a informação para que grandes laboratórios mundiais possam produzir e aumentar rapidamente a quantidade disponível de vacinas. Mas, em março, a Ministra da Saúde e o Primeiro-Ministro optaram por não ouvir Guterres e insistiram numa narrativa falsa: a de que o problema não eram as patentes, mas sim a falta de capacidade industrial.

A Organização Mundial de Saúde, já em junho do ano passado, lançou um apelo público para que toda a investigação e tecnologia sobre a Covid-19 fossem partilhadas. O Governo português até colocou a sua assinatura nesse apelo da OMS. Problema: quando chegou à Organização Mundial do Comércio rasgou o apelo da OMS, riscou a sua assinatura e fez exatamente o contrário: opôs-se à proposta de levantamento das patentes.

Em Portugal, um apelo público que contou com ex-ministros da saúde de governos do PS não podia ser mais claro: “É agora a altura para invocar a legislação europeia sobre propriedade industrial para permitir a produção em fábricas de diversos laboratórios que estão disponíveis em vários Estados-membros. É agora o momento certo para que as vacinas sejam consideradas como um bem de interesse comum, cuja produção tem de ser controlada e alargada utilizando todos os processos para que a população seja rapidamente vacinada até ao verão”. Mas a isto o Primeiro Ministro respondeu, mais uma vez, que o problema não era da existência de patentes, era a da não existência de capacidade de produção.

O argumento é falso e só serviu para proteger as farmacêuticas, atrasar a produção e a vacinação. 

Facto é que de cada vez que a União Europeia, o Governo ou os partidos do centro e da direita parlamentar recusaram que as vacinas fossem um bem comum, fizeram o processo de vacinação atrasar-se. Das mais de 4 milhões de vacinas que Portugal deveria ter recebido até ao final do 1º trimestre, só metade foram recebidas de facto. Resultado: menos 2 milhões de pessoas vacinadas até final de março.

Facto é de que cada vez que a União Europeia, o Governo ou os partidos do centro e da direita parlamentar recusarem o levantamento das patentes estarão apenas a prolongar a pandemia e a potenciar o aparecimento de novas variantes que podem ser mais perigosas e mais contagiosas.

É tempo de deixar de proteger o lucro e passar a proteger as pessoas. É tempo de ter como prioridade a saúde e fazer dela um bem público, comum e universal.

Exige-se do Governo português que abandone os falsos argumentos sobre a inexistência de capacidade produtiva no mundo, que abandone a posição que teve na Organização Mundial do Comércio e que defenda a saúde pública. Biden já falou, Ursula von der Leyen já falou e o silêncio do Governo português, na presidência da União Europeia começa a ter um ruído ensurdecedor.

Sobre o/a autor(a)

Doutorando na Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto e investigador do trabalho através das plataformas digitais. Dirigente do Bloco de Esquerda
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