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Drogas: respostas sensatas precisam-se

Há cerca de 15 anos atrás, quando o consumo de drogas deixou de ser crime e se pôs no terreno uma abordagem centrada na saúde e nos direitos humanos, Portugal tornou-se num exemplo mundial.

Os resultados do “modelo português”, como é internacionalmente designado, são conhecidos. As infeções e doenças associadas ao consumo de droga caíram a pique. Nos inquéritos feitos à população, a toxicodependência deixou de figurar entre as principais preocupações. Com o novo enquadramento legal, ao contrário do que alguns diziam, o consumo não disparou, antes pelo contrário. Portugal passou a ser referido por todo o mundo como um caso de sucesso no que à política de drogas diz respeito. Todos os anos, especialistas e decisores políticos visitam o nosso país para aprenderem como conseguimos. Sim, podemos orgulhar-nos do passo que demos.

Mas o problema não ficou resolvido. Na minha cidade, continua a haver pelo menos 1600 pessoas que todos os dias se injetam nas ruas, a céu aberto e em condições miseráveis. Estive com algumas delas esta semana. Um décimo desta população é sem abrigo e a prevalência de doenças como a hepatite C ronda os 26%, a de sida os 11%. Como escreveu um médico que trabalha nesta área, trata-se de um problema humanitário. É aceitável continuarmos a fechar os olhos?

Por toda a Europa, há 86 de salas de consumo assistido. Existem na Espanha, na Áustria, na Suíça, no Luxemburgo, na Alemanha ou na Noruega, nalguns casos há 30 anos, ou seja, há tempo suficiente para se avaliar se são ou não uma boa resposta. O balanço internacional está feito: elas dão condições de saúde e de segurança a consumidores e à população, constituem-se como uma porta de entrada na rede de cuidados de saúde, evitam mortes por overdose, diminuem o contágio de doenças, permitem o contacto e um trabalho de intervenção e de educação para a saúde junto dos consumidores. Além disso, a sua existência não aumenta o consumo nem o tráfico. Em suma, não resolvem tudo, mas são um dispositivo insubstituível de uma política de redução de riscos e de minimização de danos. De que é que estamos à espera?

Em Portugal, há mais de uma década e meia que as salas de consumo assistido estão previstas na lei, mas continuam a não existir na prática. Temos equipas de rua, distribuem-se seringas, a lei entende a toxicodependência como um problema de saúde e não de polícia. E no entanto, tem faltado coragem para dar este passo elementar.

No Porto, por proposta do Bloco e iniciativa da assembleia municipal, o pontapé de saída está dado: na próxima segunda-feira, dia 7 de março à noite, haverá um debate público sobre este assunto, no Rivoli. Já não era sem tempo. Será a oportunidade para ouvir a opinião de técnicos, de investigadores, de consumidores, de decisores políticos e de cidadãos em geral. Mas é também a oportunidade para começar a definir o modelo concreto que queremos para que na nossa cidade se dê este passo. As salas de consumo assistido não são uma bandeira de um partido nem uma questão de filiação ideológica. São o que são: uma resposta sensata a um problema humanitário que não podemos ignorar.

Artigo publicado em expresso.sapo.pt a 4 de março de 2016

Sobre o/a autor(a)

Dirigente do Bloco de Esquerda, sociólogo.
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