Passos Coelho apresentou esta quarta-feira o seu programa. Não se trata propriamente de um programa de governo. Dizem que é um remédio. Mas o suposto "óleo de fígado de bacalhau" que nos tentam enfiar goela abaixo é na verdade um doce veneno que mata mesmo e mói bastante.
A nossa economia está doente, é bem verdade. Mas nenhuma economia se cura e cresce envenenando-se a si própria, destruindo o emprego com o incentivo aos despedimentos em massa, secando o seu potencial real pelo corte cego no investimento público, condenando o seu futuro na ausência de um projecto estratégico de desenvolvimento centrado nas pessoas e na criação de emprego.
Alguém mais distraído - ou talvez mais avisado - poderia pensar que é este afinal o tal "sistema dual" de que fala o programa do PSD/CDS mas que ainda ninguém soube explicar. De facto, esta economia doente e envenenada é um "sistema dual": de um lado os que lucram com a doença prolongada da economia; do outro, toda uma economia, milhões de pessoas que sofrem para beneficio daqueles.
Esta é a verdadeira fronteira na nossa economia, mesmo que o governo queira colocar a "dualidade" entre os trabalhadores, dividindo os que beneficiam do "privilégio arcaico" de um contrato seguro e os que não conhecem outra forma de trabalho que não a precariedade.
A perversão deste sistema está não só nesta insistência de atirar trabalhadores contra trabalhadores (estratégia antiga), mas sobretudo na superação prevista desta suposta dualidade: o contrato único, forma generalizada de precarização em que os contratos a termo deixam de fazer sentido não porque o trabalho deixe de ser precário, mas porque os contratos a termo incerto passam a cumprir melhor a flexibilização laboral.
A facilitação do despedimento, a flexibilização do período experimental, a regulamentação em beneficio dos falsos recibos verdes, são um projecto de nivelamento por baixo no tal contrato único, que será efectivamente único quando a outra metade do sistema dual desaparecer com um despedimento fácil.
Na mesma linha, a melhoria da situação dos falsos recibos verdes é duplamente falsa. Falsa, porque assume e enquadra os falsos recibos verdes em lugar de combater a precariedade e a ilegalidade; e falsa porque a mão que atribui o subsídio de desemprego a estes trabalhadores, é a mesma que lhes retira, a eles e a todos os outros, a possibilidade de um contrato justo. O doce veneno é isto mesmo, divide-nos, atrofia-nos, parece que cura mas é um engano.