DIALOP: Jesus e Marx sentam-se à mesa

porJosé Manuel Pureza

14 de novembro 2024 - 16:01
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O Papa Francisco dirigiu-se à DIALOP lembrando o dito argentino “no te arrugues!”, que quer dizer “não recues”. Fê-lo para nos desafiar: “Nunca percam a capacidade de sonhar! Esse é também o meu convite.

Há um ponto de partida: cristianismo e marxismo são diferentes, têm referências diferentes, têm raízes antropológicas e ideológicas diferentes. Há um segundo ponto de partida: nenhuma cultura é homogénea, todas são internamente diversas, todas acolhem códigos e perspetivas diferentes.

O diálogo entre o campo marxista e o campo cristão é um diálogo entre visões do mundo e é um diálogo entre pessoas que os professam. Não são diálogos da mesma natureza. O primeiro é marcadamente ideológico e conceptual, ao passo que o segundo, sem deixar de ser ideológico, tem o foco da vida concreta e do que fazer com ela.

A DIALOP – Plataforma de Diálogo entre Cristãos e Marxistas, mais que uma entidade é um processo que assume aqueles dois pontos de partida e assume as dificuldades e as virtualidades de um diálogo entre visões do mundo e entre pessoas que as interpretam na sua militância concreta.

Tomamos o diálogo como não só um apelo moral, mas uma necessidade política. Somos cristãos e somos marxistas movidos pela urgência de contrapor uma ética social enraizada na solidariedade e fraternidade à atual hegemonia do individualismo competitivo. Une-nos o sabermo-nos responsáveis por uma ação coerente contra o que Francisco apelidou de “uma economia que mata” e a noção de que essa ação em favor da paz, da preservação do ambiente e da igualdade social tem de unir muitas diferenças. Dialogamos, pois, mas queremos que esse diálogo seja o suporte de uma ação transformadora convergente.

Sem desvalorizar nenhuma das experiências históricas, passadas e contemporâneas, de aliança entre as duas culturas, temos o atrevimento de acreditar que esta busca de uma ética social transversal não é algo que tem nas periferias o seu mundo próprio. A DIALOP é uma experiência europeia porque acreditamos que é na transformação da Europa – ainda que sempre a aprender com outras geografias – que se joga a alternativa à economia que mata.

Não queremos um diálogo fofinho e superficial. Por isso, não escamoteamos as suas dificuldades. A partir de documentos fundamentais de ambos os posicionamentos, construímos consensos diferenciados, assentes nas equivalências de significado e de alcance de categorias fundamentais de cada um dos lados. Por exemplo, a crítica marxista do capitalismo como modo de acumulação e de exploração tem no conceito de “estruturas de pecado” desenvolvido pela Doutrina Social da Igreja um equivalente – e a centralidade conferida por atores dos dois campos a esta ponte possibilita não só o aprofundamento do diálogo, mas a identificação de ações concretas que lhe deem consequências. Mas não ocultamos os dissensos qualificados, diferenças substanciais que espelham a nossa diversidade e que vão além de desacordos momentâneos que a discussão faz desaparecer.

Em janeiro passado, o Papa Francisco dirigiu-se à DIALOP lembrando o dito argentino “no te arrugues!”, que quer dizer “não recues”. Fê-lo para nos desafiar: “Nunca percam a capacidade de sonhar! Hoje, num mundo dividido pela guerra e pela polarização, corremos o risco de perder a capacidade de sonhar. Esse é também o meu convite: Não recuem, não desistam e não parem de sonhar com um mundo melhor." E concluiu: “promover o bem comum através do diálogo entre socialistas/marxistas e cristãos: um ótimo programa!”

A brochura “At Eye Level - Dialogues Between Christians and Marxists in the 21st Century” está disponível aqui

José Manuel Pureza
Sobre o/a autor(a)

José Manuel Pureza

Professor Universitário. Dirigente do Bloco de Esquerda
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