Na última semana vimos o revelar de mais um dos inúmeros obstáculos colocados pela Direção-Geral do Ensino Superior no momento do pedido de atribuição de uma bolsa de estudos: uma alteração ao regulamento de atribuição das bolsas que prevê a exclusão de milhares de alunos pela sua residência e pelos rendimentos do seu agregado familiar. Esta é uma alteração meramente legalista, centrada na conjunção “ou”, tornando um critério cumulativo de exclusão à bolsa em um critério optativo. Critério esse que não só amplia tacitamente a definição de agregado familiar, como também amplia os rendimentos que são considerados para atribuição das bolsas que em 2022 apoiaram cerca de 77 mil estudantes e que se esperava apoiar mais 5 mil de acordo com as contas do Governo.
É uma desclassificação paulatina e premeditada de estudantes elegíveis desde que foi levada a cabo esta revisão do regulamento de atribuição de bolsas de estudo e que entrou em vigor este ano letivo (2023/2024). Na verdade, é também um erro crasso do Governo que mantém a sua posição mesmo depois de tomar conhecimento, através de uma denúncia feita pela Associação Académica de Coimbra e noticiada pelos mais variados meios de comunicação social, da existência de estudantes a perder o direito à bolsa de estudos por morarem com os seus avós e tios ou demais familiares. Reporta-se inclusive, em alguns casos, a exigência da devolução do dinheiro que já lhes tinha sido transferido pela própria DGES. O Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior reconheceu estes dados como verdadeiros, na passada sexta-feira, mas contrapôs os mesmos com a ideia de que as alterações levarão, a longo prazo, a uma maior probabilidade de elegibilidade.
Assistimos assim a uma clássica teimosia política, a ilustração perfeita de um governo que ignora as questões de fundo que levam milhares de estudantes a recorrer ao apoio de uma Bolsa de Estudos, desconsiderando também as opções corretas que poderiam efetivamente mitigar este problema. Os fundos são burocraticamente escrutinados, os critérios são minuciosamente excludentes, e tudo isso culmina em um contínuo ciclo de precariedade que não será resolvido até ao final desta legislatura, e só com muito empenho é que se poderá tornar uma discussão na próxima legislatura que inicia o seu ciclo com as eleições a 10 de Março.
A alteração ao regulamento, que surgiu (inclusivamente) do Tribunal de Contas Europeu e nem sequer configura uma reflexão nacional, é apenas um dos vários problemas que levam à consideração de que o sistema de Ensino Superior em Portugal ainda é deficitário e ainda promove desigualdades. Contudo, mostra também que os estudantes estão atentos a estas desigualdades e que querem, através dos seus próprios órgãos, ouvir-se o suficiente para que estes defeitos sejam reconhecidos e resolvidos, bastando haver paciência e coragem política para tal.
É preciso mais e melhor para resolver a questão do ensino superior e para combater a precariedade dos seus estudantes. Para dar a todos as mesmas condições de desenvolvimento e de dedicação académica, para tornar o ensino completa e totalmente universal, como exigiam os princípios de Abril na feitura da Constituição de 1976. Por outro lado, é preciso combater o escoamento destes estudantes para o estrangeiro, reconhecendo as fragilidades do mercado do trabalho para jovens recém-licenciados e recém-mestres que atualmente não consegue ser atrativo o suficiente para enraizar estes jovens à terra que lhes deu formação e capacidades económicas - mesmo com as problemáticas já identificadas - para o fazer.
