Sofrer um apagão total exige uma explicação adulta, nada de explicações infantis. De fragilidade, estamos conversados. O apagão apanhou-nos de surpresa, o cidadão comum tentou remediar a situação recorrendo ao senso comum: comunicar com familiares ou amigos enquanto o telemóvel correspondesse, voltar a casa pelos próprios pés, ir ao supermercado na procura de alimentos que dispensassem uso de fogão, acender velas para fazer as vezes da electricidade, recorrer ao velhinho rádio a pilhas. Não me parece excessivo considerar que os portugueses se portaram com civilidade o que não impede uma mão cheia de perguntas: o comportamento colectivo significa civismo ou conformismo? Isto é, bom, não há remédio, estamos por nossa conta, vamos fazer pela vida; a dependência da electricidade tem vindo a aumentar quer nos equipamentos domésticos quer nas soluções de comunicação: à primeira vista, parece uma opção óptima, será? Se não está ao nosso alcance mudar a infraestrutura que suporta as telecomunicações, em nossas casas deveremos depender a 100% da electricidade? Se apenas dependêssemos parcialmente da electricidade, do ponto de vista ambiental qual seria o impacto? Qual é o papel da produção energética eólica? Nesta equação difícil de compreender, porque é que dependemos da Espanha? Não há backup? Não há plano de contingência? O que quer que aconteça para lá da raia arrasta-nos para o buraco? Como é tratada a nossa segurança? Estas são as perguntas “fáceis”.
O rol de perguntas “difíceis” é doloroso. Somos um país com infraestruturas coladas com cuspo, um país frágil. Na lista, à cabeça, o SNS ou o que resta dele. O governo pode bater com o pé no chão para afirmar que as coisas estão a melhorar, mas esta teimosia só se compreende porque não precisam de uma consulta no centro de saúde, não sofreram uma urgência. Quando vão ao médico, vão ao particular e aí, em troca de uma factura choruda, lá conseguem ver resolvidos os seus problemas. Ah, claro o primeiro-ministro teve um episódio de arritmia e valeu-lhe o 112. Com certeza, quando a coisa fica feia, o serviço público vai servindo. Não atende as parturientes, demora mais de meia-hora a chegar a uma emergência, mas isso são minudências que o diabo da liberdade de imprensa dá cobertura.
Logo a seguir ao SNS, o ensino. Afinal quantos alunos é que vão chegar ao fim do ano com falta de aulas a uma (ou mais) disciplinas? Vão acumular para o ano, tipo 2 em 1? Ou vão apagar esse capítulo dos manuais e fazer de conta que não tem importância nenhuma o vazio criado entre a matéria de um ano e a do ano seguinte, ignorando a lógica na construção do conhecimento? Como se vai instalando um ambiente surrealista, talvez ninguém dê por isso.
Em terceiro lugar, em momentos excepcionais, a protecção civil é uma brincadeira de crianças. O SIRESP tem falhado em situações críticas, é urgente analisar as razões e alterar o que houver para alterar, até à medula. Não tem alternativa para falhas de energia, sem plano de contingência, uma agonia. Foi assim com o imenso incêndio de Pedrógão (2017), situação que se repetiu nos anos posteriores, foi assim a 28 de Abril. E se acontecer um terramoto, que devemos esperar? Para além de procurarmos as aduelas de uma porta, a protecção de uma mesa ou agarrar no kit de emergência que devemos fazer? Falta um comando à altura, falta coordenação, ignora-se as potencialidades da tecnologia. Dizem que emitiram avisos (risos). Yes, Minister, emitimos avisos assim que houve rede (risos), ou seja, depois do apagão (risos, risos). Não sei se na série britânica houve algum episódio a lembrar este apagão, mas a ironia aplica-se. Por mim, fiquei muito tranquila quando chegou o aviso porque já estava a ver televisão na esperança de um comunicado oficial.
Tranquilidade foi o que o governo não soube transmitir, faltou em absoluto. Benza-os Deus! Bastava lembrarem-se do Aqui, Posto de Comando do Movimento das Forças Armadas… parto do princípio que sabem a que me refiro, seguiam o exemplo, e usavam a rádio para nos fazer sentir como comunidade, não seria preciso um texto longo, apenas umas palavras para nos indicar que alguém estava atento. Nesse dia, se dúvidas havia, ficámos a saber que estamos por nossa conta. Valeu a rádio, sim, uma voz que não se calou ajudando a manter a calma e o bom senso, tão importantes. Com a mesma convicção com que agradecemos à rádio, desprezamos o governo.
