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Despedimento livre

No mesmo dia em que se discutiu na AR a Lei Contra a Precariedade e em que o PSD e o CDS agradeciam a iniciativa dos cidadãos, o governo PSD/CDS publicou diversas medidas penalizadoras dos trabalhadores, entre as quais, se coloca a possibilidade de despedimento sem justa causa.

No dia 25 de janeiro, discutiu-se na Assembleia da República a segunda iniciativa legislativa de cidadãos da nossa democracia: a Lei Contra a Precariedade. Surgida após a manifestação de 12 de março de 2011, esta iniciativa propõe medidas concretas para o combate a três grandes eixos da precariedade: os contratos a prazo, os contratos a termo e os recibos verdes.

A Lei Contra a Precariedade não foi votada: PSD, CDS e PS apresentaram e aprovaram um requerimento para que a Lei fosse enviada para debate na especialidade, na Comissão de Segurança Social e Trabalho e por lá andará nos próximos 30 dias.

Neste mesmo dia 25 de janeiro, o mesmo PSD/CDS que estava tão agradecido aos cidadãos que dignificaram a democracia promovendo a Lei Contra a Precariedade publicou legislação que precariza ainda mais as relações laborais.

De facto, no Decreto-Lei 13/2013são apresentadas várias medidas que esmagam ainda mais o povo, entre as quais se encontra aquilo que é eufemisticamente designado como “Cessação por acordo para reforço da qualificação e capacidade técnica das empresas”.

Esta medida preconiza que sejam consideradas como desemprego involuntário, portanto, com acesso a subsídio de desemprego, “as situações de cessação de contrato de trabalho por acordo que visem o reforço da qualificação e da capacidade técnica das empresas e não determinem a diminuição do nível de emprego.”

Ou seja, o patrão pode despedir quem quiser, quando quiser, sem justa causa, sem pagar indemnização e a seguir contrata outra pessoa exatamente para a mesma função.

E haverá quem diga:

- Sim, mas o trabalhador tem que aceitar o mútuo acordo! Se não aceitar fica tudo na mesma.

Pois, mas aqui é que “a porca torce o rabo” porque numa relação laboral há uma correlação desigual de forças, com vantagem para a entidade empregadora. É assente neste princípio que se desenvolve o direito do trabalho.

Quando se coloca na lei, preto no branco, que o patrão pode despedir quando e como quiser sendo que para tal “só” precisa que o trabalhador aceite, abre-se a porta a que o patrão faça de tudo para convencer/coagir o trabalhador a aceitar o despedimento por mútuo.

Para poderem implementar esta medida de despedimento, os patrões terão supostamente que garantir “a manutenção do nível de emprego” até ao final do mês seguinte, ou seja, têm que contratar uma outra pessoa para aquele mesmo posto de trabalho no prazo de um mês. Pessoa essa que tem que ter “contrato sem termo a tempo completo”.

Pessoa esta que, apesar de ter um contrato sem termo, graças a esta fabulosa medida pode ser despedida também sem justa causa, também sem indemnização, quando o patrão bem entender para que o patrão volte a contratar uma outra pessoa para aquele mesmo posto de trabalho.

Na comunicação social, passou-se a ideia de que esta medida só poderia ser aplicada a trabalhadores altamente qualificados, o que por si só já seria muito bizarro, porque não faz sentido haver direitos laborais vertidos na lei em função das habilitações! Na realidade, o disposto na lei abre a porta a que esta medida se aplique mais ou menos a toda a gente, conforme a vontade da entidade empregadora, visto que ela pode ser aplicada a um “posto de trabalho a que corresponda o exercício de atividade de complexidade técnica, elevado grau de responsabilidade ou que pressuponha uma especial qualificação.”

A lei não explica pelo que se presume que seja o patrão a decidir quais os critérios para aferir a complexidade técnica (afina uma máquina?), o elevado grau de responsabilidade (confere o material que sai do armazém?) ou a especial qualificação (reconhecida por quem?).

Acresce ainda que, se o patrão não contratar alguém para o lugar da pessoa que despediu, terá que ser ele a pagar o subsídio de desemprego ao trabalhador despedido. Fica por perceber o que acontece ao trabalhador se o patrão não pagar, abrir falência, entrar com insolvência ou fugir para parte incerta.

Esta medida de “cessação por acordo para reforço da qualificação e capacidade técnica das empresas” demonstra bem o compromisso do governo com os patrões e deixa bem clara a sua agenda para o trabalho: os direitos laborais são regalias a dizimar pois constituem entraves aos patrões, esses empreendedores a quem devem ser dadas todas as condições para aproveitarem as janelas de oportunidade que a crise lhes proporciona.

Com esta medida, o custo do despedimento passa a ser socializado, o patrão deixa de ter que pagar indemnização e pode despedir sem motivo qualquer outro motivo que não seja a sua vontade de reforçar a qualificação e capacidade técnica da empresa.

A partir do dia 1 de fevereiro, esta medida começará a ser implementada. Talvez nos primeiros tempos não mude muita coisa. Mas ela constitui uma brutal machadada nos direitos laborais, abrindo (ainda mais) a porta à possibilidade de despedimento sem justa causa ou à extinção das indemnizações por despedimento.

Tempos houve em que os recibos verdes eram só para meia dúzia; depois, passaram a ser quase um milhão;

Tempos houve em que os contratos de emprego inserção eram só para meia dúzia, depís, passaram a ser para 100 mil pessoas;

Tempos houve me que as empresas de trabalho temporário eram só para meia dúzia; agora, são a fonte de exploração de 400 mil pessoas;

Tempos houve, em que quando o patrão despedia tinha que ter um motivo e pagar uma indemnização; esta medida, é mais um passo para o fim desses tempos.

Sobre o/a autor(a)

Dirigente do Bloco de Esquerda, deputada na Assembleia Municipal de Braga, ativista contra a precariedade
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