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Desobedecer, de Pé!

Se é entendível o desencanto com a política é imperioso depor os políticos que têm provocado essa desilusão. Temos de libertar a raiva contida e elevar a desobediência em nome da vida.

25 de maio, eleições para o parlamento europeu. Vais votar? Não, porque o que eles querem é tacho. Não, porque a Europa não me diz nada. Não, porque não vale a pena, já está tudo decidido. São muitos destes genuínos mas perigosos argumentos que, em parte, justificam as tão elevadas taxas de abstenção - 2009 em Portugal foi de 63,2%. Segundo um estudo publicado na altura, entre outros motivos, 28% dos que se abstiveram apontaram como razão a falta de confiança ou insatisfação com a política, 23% o desinteresse pela política em geral e 11% a convicção de que o voto não muda nada. É também este estado de letargia, de resignação, de inquieta subordinação, que é preciso sacudir. Se é entendível o desencanto com a política é imperioso depor os políticos que têm provocado essa desilusão. Se é aceitável que a reação imponderada tenda para o motim abstencionista é exigível que a razão impele à participação refletida. Se afirmações desbocadas, do género: estamos perante uma restauração como em 1640 (contorcionista Paulo Portas) ou recuperamos a soberania com uma saída limpa (cínica Maria Albuquerque), nos provocam náusea e indignação. Se ardilosas e ocultas intenções se tornam duras e fatídicas realidades, como passar os cortes temporários a definitivos engalanando-se com a hipotética reposição de um quinto do que foi retirado (trapaceiro Passos Coelho), nos revolta e desassossega. Se delapidações sucessivas e profundas nos Serviços Públicos que têm como objetivo destroçar o Estado Social (Barcelos tem sido sofredor – hospital desmantelado, tribunal desqualificado, câmara hipotecada) e escancarar portas à privatização, nos enfurece e faz clamar pela democracia. Então temos de reagir e agir. Caso contrário estamos a ser cúmplices por omissão e, legitimamente, acusados de traidores por submissão. Temos de libertar a raiva contida e elevar a desobediência em nome da vida.

Estas eleições surgem num momento crucial de decisões. Já todos percebemos que troika é austeridade compulsiva até ao empobrecimento. A dívida subiu de 94% em 2010 para 129% em 2013 e o PIB regrediu a níveis de 2006. O número de desempregados subiu assustadoramente. O salário mínimo, por correspondência ao poder de compra, baixou ao nível de 1974. A função pública e os reformados perderam mais de 20% dos rendimentos. Desde que este protetorado está em Portugal já emigraram mais de 250.000 pessoas. A pobreza aumentou de forma galopante ao mesmo tempo que o papel do Estado se equipara, cada vez mais, ao de um país subdesenvolvido. A saída só é limpa para quem nos limpou os bolsos. Afinal vamos sair de quê se a austeridade se manterá por décadas?

E quando seria expectável rever toda esta tragédia social, eis que o governo, mais uma vez, engana os portugueses. Apresenta o Documento de Estratégia Orçamental (2014-18) que mantém a mesma política com os mesmos cortes. Vergonhosamente falam em melhoria de nível de vida prevendo reduzir o salário em 15% (em média 171€ por trabalhador). Descaradamente falam em reposição de direitos quando aprovam facilitação de despedimentos, aumento do horário laboral, destruição da contratação coletiva. Demagogicamente admitem baixa de impostos quando ajustam um aumento da carga fiscal na ordem dos milhares de milhões. Esta agenda governamental, sob os ditames do Tratado Orçamental da UE, tem fundamentos ideológicos. Instaurar um regime neoliberal de mercado aberto que elimine o paradigma social do Estado europeu. Ricardo Paes Mamede chamou-lhe o “triângulo das impossibilidades” da política orçamental, dizendo que não é possível atender aos três vértices da questão. Ou se deixa cair o Tratado, ou se reestrutura a dívida ou se abandona o estado social. Por isso nesta eleição as candidaturas têm de se posicionar, clara e frontalmente, em termos políticos e ideológicos.

Do PSD/CDS já todos sabemos o que se deve esperar. Nada. Continuarão na oca obediência acrítica bem ao jeito de aluno zeloso ao serviço da Mestre, leia-se Merkel. Do PS a tibieza do costume. Pé dentro, amarrados à troika e a favor do Tratado Orçamental da austeridade, que entre outras aberrações democráticas estabelece a legitimidade de pôr qualquer estado em tribunal desde que não cumpra as metas orçamentais estabelecidas. Pé fora, vociferando em berraria de (in)Seguro NIM, que tanto serve para contrariar como para dizer que tem de honrar compromissos. Depois das eleições tomam-se as decisões. Como disse Marisa Matias, em campanha PSD é leite e PS café, depois é um galão. O PCP opta por uma política patriótica e anti-europeísta desconsiderando a solidariedade entre os povos e preconiza uma intempestiva e arriscada saída do Euro. O Bloco defende claramente um rotundo não ao Tratado Orçamental exigindo que este seja referendado; uma reestruturação da dívida que implique a restituição dos salários e a proteção do emprego com direitos; a defesa de um pleno Estado Social que comprometa o país com os cidadãos. Europeístas de esquerda na defesa de uma outra Europa. A dos povos, a do estado social, a da valorização do trabalho, a da desobediência aos mercados e à política austeritária, a de lutar de pé com a verticalidade e a exigência da dignidade. A da criação do futuro alterando o presente, trocando o medo pela esperança e a miséria pelo otimismo, como disse Alexis Tsipras. Por estas razões, voto, participo na campanha, mobilizo e dinamizo a candidatura do Bloco.

Publicado no “Jornal de Barcelos” em 14 de maio de 2014

Sobre o/a autor(a)

Professor. Dirigente do Bloco de Esquerda
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