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(Des)Armamento nuclear
Segundo as notícias que nos chegam do outro lado do Atlântico, o presidente Donald Trump vai propor no seu primeiro plano orçamental um aumento de 54 mil milhões de dólares na despesa militar. Prevê-se que este aumento seja compensado com cortes orçamentais significativos em outros programas/agências federais, com destaque para a Agência para a Protecção Ambiental e nas verbas destinadas à Educação, Saúde, Trabalho, Diplomacia, Ajuda Externa e Nações Unidas. Como sabemos o orçamento militar dos Estados Unidos da América (EUA) é o maior do mundo. É superior aos seguintes 7 maiores orçamentos militares combinados e cerca de 36% de toda a despesa militar a nível mundial (dados de 2015, Stockholm International Peace Research Institute).
Estas notícias enquadram-se no conjunto de outras declarações que apontam para uma retoma da “corrida ao armamento”, nomeadamente às armas nucleares. O novo presidente norte-americano já classificou o acordo New START – New Strategic Arms Reduction Treaty – como um “mau acordo”. Este acordo negociado entre a Rússia e os EUA, assinado por Barack Obama e Dmitry Medvedev (Abril de 2010), impõe restrições à proliferação de equipamentos e capacidade logística nuclear. Até Fevereiro de 2018, os dois países deviam limitar os respectivos arsenais a 1550 ogivas nucleares operacionais, mantendo o mesmo nível por uma década. Estabeleceu ainda novos mecanismos de monitorização dos respectivos arsenais. Vários especialistas têm alertado para o risco de os países começarem a abandonar o Tratado de Não Proliferação Nuclear (em vigor desde 1970) e de tornar mais difícil a contenção da expansão do armamento nuclear a outros países (como o Irão e a Arábia Saudita).
Actualmente há nove países que detêm a tecnologia da bomba atómica: EUA, Rússia, China, Reino Unido, França (membros permanentes do Conselho de Segurança das Nações Unidas) e ainda a Índia, o Paquistão, Israel e a Coreia do Norte. Calcula-se (início de 2016, Stockholm International Peace Research Institute) que sejam umas 15395 (4120 das quais mobilizadas em várias operações), com EUA e Rússia a terem mais de sete mil cada (suficientes para destruir o planeta), apesar de o arsenal ser bastante inferior ao dos tempos da Guerra Fria (70 mil armas contabilizadas no mundo após o seu final). O Reino Unido, a França e a China terão entre 200 e 300 cada, a Índia e o Paquistão pouco mais de 100, Israel 80 e Coreia do Norte 10. Nos últimos anos tem havido uma desaceleração da redução dos arsenais nucleares.
A guerra sempre foi uma tentação não só para resolver problemas e conflitos políticos mas também problemas financeiros e económicos. A indústria de armamento é altamente lucrativa e é uma via para estimular a economia com dinheiro público. Se aliarmos os lucros gerados na preparação para a guerra, aos lucros gerados na reconstrução dos países conseguimos compreender a “tentação” a falar ao ouvido de alguns políticos, banqueiros e empresários. Além disso, arranjar um inimigo externo (ou interno) é um clássico para desviar as atenções e obter apoio político. Claro que os custos das guerras em sofrimento, mortes e destruição são muitas vezes abstractos e longínquos para os decisores. Estamos a entrar num período histórico crítico como argumentei em artigo anterior. A existência de armamento nuclear torna preocupante cenários de aumento da tensão política, económica e social. Uma guerra nuclear poderá terminar numa destruição global assegurada. Por isso, parar uma nova “corrida às armas” e retomar o processo de desarmamento nuclear deve ser uma prioridade urgente da diplomacia internacional.
Artigo publicado em Jornal Económico a 5 de abril de 2017
Comentários
O acordo New START, tal como
O acordo New START, tal como outros anteriormente assinados, tem efeitos práticos muito limitados: concordar em ter uma capacidade de destruir o planeta n vezes em vez de 2n ou 3n.
Por outro lado estes acordos faziam algum sentido quando ambas as partes, EUA e Russia, aceitavam o conceito MAD (Destruição mutua assegurada). Ora uma das contradições da administração Obama foi assinar o New START em 2010 tendo aceite o conceito de “Supremacia nuclear”, estabelecido a partir de 2006 com base em documentos produzidos pela universidade da Harvard e Conselho de Relações Exteriores, e acordado numa despesa de 1 trilião de dólares para a modernização da tríade nuclear –ICBM, bombardeiros estratégicos e SLBM – durante 30 anos. A administração Trump, sem desculpar as “Trumpices”, não faz mais do que dar continuidade a critérios já estabelecidos.
O enorme risco é que grande parte dos republicanos e democratas do congresso abraçaram cegamente, na sua histeria anti-russa – e possivelmente como contrapartida aos 70 milhões de dólares para eles canalizados pela industria de armamento em 2015 - o mencionado conceito. Pondo de parte a questão de um primeiro ataque ser moralmente inaceitável a “Supremacia Nuclear” assenta na defesa de duas crenças: a possibilidade de eliminar num ataque surpresa a quase totalidade das forças nucleares russas e/ou chinesas e destruir com os sistemas ABM as eventuais sobras que viessem a ser utilizadas. Tratam-se efectivamente de duas crenças perigosas. Dada a profusão e multiplicidade dos meios de lançamento dos MIRVs russos – silos, veículos, comboios, submarinos e meios aéreos – torna-se evidente a capacidade da Russia para uma fortíssima resposta, à qual os sistemas ABM seriam incapazes de corresponder. De facto, a variabilidade das trajectórias e as velocidades de mach 20 de reentrada dos MIRVs excedem largamente a capacidade de resposta daqueles sistemas, cujas capacidades têm sido largamente sobrestimadas com base em corrupção e mentiras emanadas do “complexo militar industrial” e de “Think-Tanks” por ele financiados. Por fim a “Supremacia Nuclear” escamoteia o facto sabido que a simples confrontação nuclear entre dois actores menores, Índia e Paquistão, seria suficiente para desencadear um inverno nuclear.
Assim, mais do que uma questão diplomática, a segurança planetária parece depender da capacidade do povo americano se libertar do domínio dos famigerados 1%. Há que esperar sentado.
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