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A derrota de Israel

Dois dias de cessar fogo efectivo são uma boa notícia para as populações libanesas ameaçadas pelos bombardeamentos israelitas, como para as populações árabes e israelitas de Haifa e de outras cidades que estavam a ser atingidas pela resposta do Hezbollah. De facto, as condições políticas para Israel prosseguir a guerra estavam a ser claramente enfraquecidas. Israel perdeu a guerra.

Dos dois lados da fronteira, a exigência do fim da guerra crescia: a maioria da população libanesa coloca-se ao lado do Hezbollah e uma activa minoria israelita manifestava-se pela retirada das suas tropas, com alguns soldados a recusarem o combate para além das fronteiras. David Grossman, Amos Oz e outros intelectuais que tinham inicialmente aceite a guerra, mostraram o cansaço de uma parte da população e exigiam a retirada, ao fim de quatro semanas de um impasse militar e político. Finalmente, todos os objectivos fundamentais da guerra estavam comprometidos: nem os Estados Unidos conseguem convencer a opinião pública de que o Irão é uma ameaça que deve ser destruída, nem Israel consegue derrotar as milícias libanesas, nem os tradicionais aliados europeus se mostram disponíveis para mais uma aventura duradoura no Médio Oriente.

A desorientação dos neo-conservadores
Neste contexto, a dificilmente negociada resolução da ONU - tão tardia quanto Israel queria, para poder prolongar ainda os seus bombardeamentos - acaba por reconhecer a vitória do Hezbollah, a quem bastava resistir, contra Israel, que tinha que destruir. E uma vitória destas tem mais efeitos políticos no Médio Oriente do que muitos anos de fanatismo religioso, como reconhece o ex-governante norte-americano Richard Armitage, num extraordinário artigo de Seymour Hersh, referido no Esquerda.

Esse artigo deve ser lido com atenção. Armitage é um dos neo-conservadores do primeiro governo George W. Bush, e mais um dos que dele se afasta reconhecendo o seu impasse político. Recentemente, Francis Fukuyama escreveu um livro assinalando a sua ruptura com os neo-conservadores, que anteriormente tinha apoiado. Para ambos, a rejeição do delírio de guerra parece ser a motivação primeira.

Ora, a guerra está directamente relacionada com o Médio Oriente, a rota do petróleo. E os neo-conservadores, de que os principais ideólogos são formados politicamente com a direita israelita, associou intensamente a defesa da política militarista de Israel ao seu próprio destino - os neo-conservadores portugueses, como José Manuel Fernandes e outros, não se enganam ao perceber que a sua luta ideológica é a mesma do sionismo mais extremista e racista.

Mas a política da guerra tem sofrido derrotas sucessivas. No Iraque como no Líbano, as forças imperiais têm agora menos capacidade de ofensiva política e mesmo de domínio militar.

Mas a desorientação imperial ameaça novas guerras
A derrota militar de Israel, que não alcançou os seus objectivos e por isso procurou as condições para impor uma força internacional que continuasse a sua guerra, tem grandes consequências. Mobiliza os palestinianos que perceberam que Israel não aceita nem a sombra de um Estado independente. Mobiliza as populações árabes que nunca encontram um sinal de esperança. E ajuda os israelitas que recusam a guerra.

Não deve no entanto concluir-se que esta derrota impede novas guerras ou até a violação do cessar-fogo. Uma nova resolução da ONU deve dar sequência a esta primeira tomada de posição, e ainda não se sabe como será determinada a relação de forças. A ONU, por força do veto norte-americano, tem fechado tantas vezes os olhos a violações de direitos e de resoluções que seria imprudente contar com a sua coerência. A guerra explode mais facilmente do que a paz é imposta, como sabem todos os que vivem na região.

E, pior ainda, a derrota de Israel nesta guerra de 2006 cria uma ameaça suplementar para a retomada das hostilidades, porque os principais alvos dos Estados Unidos - a Síria e o Irão - saem reforçados deste conflito, e essa situação é inaceitável para o Império.

Outra consequência desta derrota será a radicalização dos ideólogos neo-conservadores, tanto na defesa do sionismo como segregação étnica virtuosa, quanto na afirmação da necessidade de novas iniciativas militaristas de George W. Bush. Uma vez comprometidos com a defesa de uma guerra tão absurda como a do Iraque, uma vez empenhados na defesa de uma estratégia de mentira, os neo-conservadores queimaram os navios quando chegaram à costa e não têm regresso possível. Os debates, em particular na Europa nos próximos tempos, serão sempre sobre a necessidade de uma nova guerra no Médio Oriente.

O movimento anti-guerra é portanto mais necessário do que nunca, para impor a retirada das tropas do Afeganistão ou do Iraque, para impedir a nova guerra.

Sobre o/a autor(a)

Professor universitário. Ativista do Bloco de Esquerda.
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