Depois de um líder carismático, o quê?

porImmanuel Wallerstein

10 de abril 2013 - 0:07
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A maioria dos analistas parecem concordar que o sucessor escolhido por Hugo Chávez, Nicolás Maduro, vai vencer. A questão interessante é saber o que acontecerá depois.

Depois da morte do presidente Hugo Chávez, a imprensa mundial e a Internet encheram-se de declarações sobre a sua obra, que foram dos infindáveis elogios às infindáveis denúncias, com um certo número de pessoas fazendo elogios ou denúncias de forma mais cautelosa ou limitada. A única coisa que todos parecem estar de acordo é que Hugo Chávez era um líder carismático.

O que é um líder carismático? É alguém que tem uma personalidade muito forte, uma visão política relativamente clara e é capaz de grande energia e persistência na prossecução dos seus objetivos. Líderes carismáticos atraem grande apoio, em primeiro lugar no seu próprio país. Ao mesmo tempo, os vários aspetos da sua persona que atraem apoio sãos os mesmos que mobilizam profunda oposição às suas políticas. Tudo isto foi certamente verdadeiro no caso de Chávez.

A lista dos líderes carismáticos na história do mundo moderno não é tão grande. Pense em Napoleão e De Gaulle em França, Lincoln e F.D. Roosevelt nos Estados Unidos, Pedro o Grande e Lenine na Rússia, Gandhi na Índia, Mao Zedong na China, Mandela na África do Sul. E, evidentemente, Simon Bolívar. No próprio momento em que olhamos uma lista como esta, compreendemos várias coisas. Todas estas pessoas foram líderes controversos durante as suas vidas. A avaliação dos seus méritos e falhas mudaram constantemente no tempo histórico. Nunca parecem desaparecer numa perspetiva histórica. E, finalmente, as suas políticas não tinham qualquer identidade entre eles.

A morte de um líder carismático cria sempre um vazio de incerteza, no qual os seus seguidores tentam garantir a continuidade das suas políticas através da sua institucionalização. Max Weber chamava isto de “rotinização do carisma”. Mas a partir do momento em que entram na rotina, as políticas evoluem em direções que são sempre difíceis de prever. Para estimar o que pode acontecer no futuro imediato, é preciso começar evidentemente com uma apreciação das realizações de Chávez. Mas é preciso também avaliar as relações internacionais de forças e os contextos culturais da geopolítica mais ampla nos quais a Venezuela e a América Latina se encontram hoje.

As suas realizações parecem claras. Ele usou a enorme riqueza petrolífera da Venezuela para melhorar significativamente as condições de vida das camadas mais pobres, expandindo o seu acesso às instalações de saúde e à educação, e assim reduzindo a brecha entre os ricos e os pobres de forma bastante notável. Além disso, usou a enorme riqueza do petróleo para subsidiar as exportações petrolíferas para um grande número de países, especialmente nas Caraíabas, o que lhes permitiu sobreviver minimamente.

Para além disso, contribuiu substancialmente para construir instituições latino-americanas autónomas – não só a ALBA (a aliança dos países bolivarianos), mas também a UNASUR (a confederação de todos os estados na América do Sul), a CELAC (todos os Estados das Américas exceto os Estados Unidos e o Canadá), e o Mercosul (a estrutura económica confederal que inclui tanto o Brasil quanto a Argentina), ao qual ele aderiu. Não estava sozinho nestes esforços, mas desempenhou um papel particularmente dinâmico. Um papel pelo qual o ex-presidente Lula, do Brasil, sempre o elogiou. O grande número de presidentes de outros países que foram ao seu funeral (cerca de 34), especialmente da América Latina, comprovam a sua popularidade. Ao procurar criar estruturas latino-americanas fortes, ele estava evidentemente a desempenhar um papel anti-imperialista, essencialmente anti-Estados Unidos, e por isso não era apreciado em Washington.

Deveríamos notar em particular a apreciação positiva de Chávez pelo presidente conservador da vizinha Colômbia. Isto por causa do papel importante e muito positivo de Chávez como mediador entre o governo colombiano e a sua inimiga de longa data, a guerrilha das FARC. Chávez era o único possível mediador, aceitável por ambos os lados, e estava à procura de uma solução política para pôr fim ao estado de guerra.

Os seus detratores acusam-no de promover um regime corrupto, um regime autoritário e um regime economicamente incompetente. Não há dúvida de que houve corrupção. Sempre existe em qualquer regime onde haja dinheiro abundante. Mas quando penso nos escândalos de corrupção nos últimos 50 anos nos Estados Unidos ou em França ou na Alemanha, onde há ainda mais dinheiro, não posso levar este argumento muito a sério.

O regime foi autoritário? Certamente. É o que acontece com um líder carismático. Mas, mais uma vez, comparado com outros líderes autoritários, Chávez foi bastante contido. Não houve purgas sangrentas ou campos de concentração. Em vez disso, houve eleições, que a maioria dos observadores internacionais consideraram as melhores possíveis (pensem de novo nos Estados Unidos, ou na Itália ou...), e Chávez ganhou 14 ou 15. Nem deveríamos esquecer que ele teve de combater uma séria tentativa de golpe apoiada pelos Estados Unidos, a qual superou com dificuldades. Sobreviveu devido ao apoio popular e ao apoio dentro do Exército.

Quanto à incompetência económica, é verdade que ele cometeu erros. E é verdade que a atual receita do governo venezuelano é menor do que já tinha sido. Mas lembrem-se de que estamos numa depressão mundial. E quase todos os governos do mundo estão a enfrentar dilemas financeiros e apelos à austeridade. Não é de todo óbvio que um governo nas mãos da sua oposição tivesse feito melhor em termos de otimizar a receita económica. O que é certo é que um governo nas mãos da sua oposição teria feito menos para redistribuir a riqueza internamente às camadas mais pobres.

A única área em que ele não brilhou foi no seu constante apoio à política económica extrativista, ignorando os protestos dos povos indígenas pelos danos ecológicos e pelos seus direitos ao controlo autónomo das suas localizações. Mas compartilha esta falta com todos os governos nas Américas, sejam de esquerda ou de direita.

O que vai provavelmente acontecer agora? De momento, tanto os chavistas quanto a oposição cerraram fileiras, pelo menos para as próximas eleições presidenciais. A maioria dos analistas parecem concordar que o sucessor escolhido por Chávez, Nicolás Maduro, vai vencer. A questão interessante é saber o que acontecerá depois, acima de tudo em termos de alinhamentos internos. Nenhum campo é isento de divisões internas. Suspeito que haverá alguma redistribuição das cartas, com deserções em ambos os lados. Em alguns anos, poderemos ver uma diferente relação de forças.

Que vai então acontecer ao “socialismo do século 21” – a visão que Chávez tinha dos objetivos que é necessário obter na Venezuela, na América Latina e em todo o mundo? Há duas palavras nesta visão. Uma é “socialismo”. Chávez procurou resgatar este termo do opróbio no qual tinha caído devido aos múltiplos fracassos tanto nos países do Comunismo realmente existente quanto da social-democracia pós-marxista. O outro termo é “século 21”. Tratava-se de um claro repúdio de Chávez em relação ao socialismo da Terceira e da Segunda Internacionais, e um apelo a que a estratégia fosse repensada.

Netas duas tarefas, Chávez estava quase sozinho. Mas fez soar um toque de clarim. Para mim, este esforço é parte da tarefa maior que todos enfrentaremos nesta crise estrutural do capitalismo histórico e a bifurcação de duas possíveis resoluções do caos no qual caiu o nosso sistema-mundo. Precisamos de debater qual é a natureza do mundo melhor que nós, ou alguns de nós, procuramos. Se não podemos ser mais claros sobre o que queremos, não é provável que ganhemos a batalha com os que procuram criar um sistema não-capitalista que, no entanto, reproduz os piores aspetos do capitalismo: hierarquia, exploração e polarização.

Immanuel Wallerstein

Comentário nº. 349, 15 de março de 2013

Tradução, revista pelo autor, de Luis Leiria para o Esquerda.net

Immanuel Wallerstein
Sobre o/a autor(a)

Immanuel Wallerstein

Sociólogo e professor universitário norte-americano.
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