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Deolinda VS. comentadores
Os comentadores de cátedra, quais judocas, apressaram-se a tentar atirar a nova música dos Deolinda ao tapete. Ipon!
Uma multidão levantou-se e aplaudiu cada verso de Ana Bacalhau apesar da canção ser nova e da letra ser inesperada. Com uma ironia sublime, os Deolinda iam narrando a vida adiada e frustrada de muita, muita gente.
Que parva que eu sou! – Cantava Ana Bacalhau, e explicava as desgraças de uma geração inteira que estudou muito mais do que qualquer outra antes de si e que trabalha sem remuneração, que salta de estágio para estágio, que ainda vive em casa dos pais, que adia, a cada dia, a sua vida e que se sente escrava.
Mas os Deolinda tocam na ferida. Para além de exporem os problemas desta geração, ou, mais precisamente, das últimas duas gerações, a banda fala-nos de uma situação que já dura há tempo demais e explica que, na verdade, é o mundo que é parvo. E é isso que dói.
Claro que isto vai contra a hegemonia ideológica e cultural que os opinion makers tinham trabalhado para cimentar e corria – valha-nos Deus! – o risco de se tornar um hino da geração da precariedade e do desemprego. Mas – e aqui vem me à memória uma música do Sérgio Godinho – em vez do insulto, do boicote ou da ameaça, os comentadores assinalaram a importância da música e, aproveitando o seu peso, tentaram levá-la ao tapete num golpe de judo multiplicado em editoriais, blogs e páginas do facebook.
Para os comentadores a análise dos Deolinda está, de facto, correcta e merece toda a atenção. Mas o problema, o problema verdadeiro, aquele de que ninguém fala e que para o qual só os iluminados opinion makers são sensíveis, é que houve toda uma geração, ou antes, duas gerações que espoliaram a geração da música dos Deolinda. Ou seja, para os comentadores, o problema dos baixos salários, do desemprego jovem, da precariedade, dos recibos verdes e mesmo dos erros do Código Contributivo, têm que ver com uma geração que, na loucura pós revolucionária, esbanjou todo o rendimento e deixou as próximas gerações sem nada. Assim, para eles, o corolário lógico é simples: o problema desta geração são os direitos da geração anterior. “Se ao menos os nossos pais tivessem sido menos gananciosos, hoje poderíamos todos viver em paz. E, uma vez que isso não aconteceu, tem de existir um ajustamento, que será doloroso, claro, mas inevitável, para que as próximas gerações não tenham de sofrer ainda mais.” – Anunciam os opinion makers.
Os comentadores, falando verdadeiramente como oráculos, polícias, juízes e carrascos, vaticinam que esta geração “nunca se revoltará”. Parece que os miminhos todos dos papás e a boa vida que temos nos roubaram, para sempre e inapelávelmente, a capacidade de nos revoltarmos. Esta ideia é ainda mais perniciosa, pois para além de voltar a empregar a lógica de que os direitos da geração anterior são luxos, ainda nos paternaliza e nos informa do que faremos.
Mas há más notícias para os comentadores. A música dos Deolinda não é só situacionista, não se limita a descrever a vidinha, mas antes apela à mudança deste mundo tão parvo onde para ser escravo é preciso estudar. E as precárias e os precários não se deixam enganar e sabem que todos e todas têm direito ao trabalho e ao trabalho com direitos.
Com a música dos Deolinda podemos ter um hino, mas já tínhamos o grito de revolta: Precári@s nos querem, rebeldes nos terão!
Comentários
Tudo o que é bom, criativo,
Tudo o que é bom, criativo, etc neste país é logo difamado, se não pode ser ignorado.
O sucesso dos «Deolinda» é bastante significativo pois souberam tomar o pulso dos jovens e escrever esta canção irónica.
Porém gente da minha geração, a tal que participou e beneficiou de uma ou outra forma com a «revolução dos cravos», cega pensa assim (pessoas com filhos, que eu contacto na minha actividade profissional e não só):
« Os nossos são diferentes, são aplicados, não se metem em sarilhos, vão ser engenheiros, doutores, etc...e vão arranjar um emprego, até porque nós temos bons relacionamentos...»
A miopia e chico-espertismo dos pais é -em parte- responsável pela falta de perspectivas dos filhos. Adoram-nos, idolatram-nos mesmo... pensam que os filhos deles se «safam» no meio de um naufrágio geral...
Todas as gerações reunidas têm de tomar consciência que só perdem com o «estado a que isto chegou» e não TER MAIS MEDO da revolução.
É insuportável esta
É insuportável esta situação.
Hoje é um dia feliz para os egípcios e para o mundo (que seja solidário com a miséria, a opressão e o desespero).
Os egípcios deram uma lição ao mundo!
Haverá os que consideram excessivas as comparações - sobretudo os que não tem interesse que o clima se espalhe - mas olhem para os que fizeram a luta durante 18 dias no Cairo, e pensem bem se as reivindicações daquele povo serão muito diferentes das de muitas populações ocidentais?!
O medo pode durar muito tempo, mas não dura para sempre!
Temos hino, «só» nos falta a luta!
Ou pelo menos, exteriorizá-la!
Sempre vivi em casa da minha
Sempre vivi em casa da minha mãe (que é mãe solteira e não é rica), e nos ultimos meses fui ajudando com uma parte do meu ordenado. Agora estou desempregada e não posso ajudá-la, em vez disso sou eu quem precisa de ajuda. Nunca tive direito a qualquer subsídio, nem de desemprego, pois como bolseira não tenho direito a nada disso. Nos anteriores trabalhos nunca tive acesso a um contracto superior a 6 meses, pelo que apesar de já ter descontado para a segurança social, nunca tive direito a subsídio de desemprego. (cont.)
Procuro activamente trabalho,
Procuro activamente trabalho, vou fazendo pequenos trabalhos mal pagos para me manter (dobrar circulares, etc). Tentei arranjar trabalho em lojas (não é um sonho, mas até as coisas se ‘endireitarem’) mas não consegui porque, apesar de ter alguma experiência, tenho ‘demasiadas qualificações’ e sou olhada com alguma reserva pelas gerentes e funcionárias. Nem para trabalhar nas limpezas me querem, mesmo sabendo eu limpar e passar a ferro (coisas que sempre fiz em casa desde os meus 13 anos). (cont.)
Entretanto fiz alguns
Entretanto fiz alguns pequenos cursos de formação profissional para adquirir novas competências. Fazer outra licenciatura está fora de questão porque não há dinheiro e, com esta idade eu preciso é de trabalhar para poder construir a minha vida! Não tenho carro (é uma despesa fixa que não posso pagar). Não posso casar. Não posso pedir um empréstimo. Até tenho ideias de negócio mas não me concedem empréstimo: não tenho bens nem fiador. Não posso ainda ser mãe. (cont.)
Além de tudo isto e a
Além de tudo isto e a contribuír para a minha revolta, sempre que vou a qualquer repartição pública vejo: pessoas (efectivas) que não trabalham bem, nem se esforçam por melhorar, atendem mal as pessoas e têm limitações a vários níveis. Não falam línguas, não percebem quase nada de informática, não se actualizam e, muitas vezes, nem percebem muito do que estão a fazer. Ora, posto isto... não quero ouvir comentários do género: ‘eles que se façam mas é à vida’... que ‘só por serem licenciados querem grandes empregos’, que ‘estes jovens não trabalham e só querem viver à custa dos pais’! Por mais que existam alguns jovens assim são, de facto, uma pequena minoria e tal argumento não deveria servir para ANIQUILAR UMA GERAÇÃO INTEIRA! (cont.)
Falam de pessoas que se
Falam de pessoas que se fizeram uma licenciatura, se esforçaram de alguma maneira para ter uma vida condigna ...uma VIDA À QUAL TÊM DIREITO... pessoas que se têm esforçado até então e nunca tiveram direito a nada! Não estamos a falar de pessoas que nunca quiseram fazer nada na vida, nem que se encostam a subsídios de insersão social ou de desemprego, que nunca se quiseram esforçar porque ‘estão bem como estão’. (cont.)
Toda a minha vida me esforcei
Toda a minha vida me esforcei (e vi a minha família esforçar-se), toda a minha vida trabalhei para poder vir a ter algo mais que ‘uma vida em casa da mãe’... em todos os trabalhos que fiz, fi-los o melhor possível, mesmo não gostando do que estava a fazer. Sou supostamente inteligente (com um QI de 151, querendo isto dizer o que quer que seja...) mas pelos vistos não sou é ESPERTA! Porque apesar de todo o esforço, nunca tive direito a nada! E ainda penso em ir trabalhar para fora. Mas até para isso tenho que primeiro arranjar um trabalho qualquer por cá para poupar algum dinheiro, para não ir sem nada – porque NADA é o que eu tenho! (cont.)
Que país é este onde além de
Que país é este onde além de não haver um único governante confiável ... ainda tenho de ver e ouvir comentários estúpidos de pessoas que vêm a realidade de uma forma deturpada, ora através de lindos óculos cor de rosa: ‘jovens façam mas é outra licenciatura, e outra, e mais outra...pode ser que acertem’; ora de alguém que certamente ocupa um cargo quentinho qualquer: ‘não tenho nenhuma formação em particular, terminei o meu 10º ano, arranjei um taxo e aqui fiquei...nem tive de me preocupar ... e daqui vocês não me podem tirar...não é que eu seja muito bom profissional mas... tenho os meus direitos laborais de EFECTIVO’... enfim...
Em suma, que país (e que gente) de merd*! ... e não peço desculpa pela ‘indelicadeza’! (cont.)
Eu tenho direito a construír
Eu tenho direito a construír uma vida, tenho direito a ter um emprego condigno que me permita fazer planos a um prazo mais longo do que os 3 meses de um contracto num call center qualquer... tenho direito a poder ter a minha casa ... tenho direito a poder ser mãe... tenho direito a poder VIVER!
E são estes os direitos FUNDAMENTAIS que estão a negar a uma geração inteira!
Já não posso mais. É TEMPO DE AGIR!
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