A democracia da Saúde

porMário André Macedo

12 de maio 2024 - 22:38
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O 25 de abril fez muito bem à nossa saúde. Nestes 50 anos de liberdade, Portugal deixou de ser um país com indicadores de saúde medíocres ou sem escrutínio para passar a ser um país de que nos pode orgulhar em várias dimensões. Está na hora de devolver e cuidar da saúde da democracia.

O que é necessário para obter mais saúde? Qual o fator essencial para melhorar o estado de saúde das populações? Não é mais tecnologia nem mais camas disponíveis nos hospitais. Também não são mais rastreios ou qualquer outra intervenção que possa ser efetuada na comunidade. O ingrediente fundamental para se atingir um melhor grau de saúde é simples e precioso: democracia!

As democracias apresentam consistentemente os melhores resultados em saúde. Melhores taxas de vacinação, menor mortalidade infantil, maior esperança média de vida e maior equidade do financiamento dos cuidados de saúde. Também apresentam sistemas de saúde mais eficientes, com menor desperdício e menor corrupção. Mesmo medidas subjetivas, como o estado de saúde autorreportado, apresenta melhores resultados em democracias que em autocracias.

Nas democracias não existe censura, o que permite um maior e melhor fluxo de informação. Num regime autocrático, as consequências de más políticas públicas de saúde serão censuradas, assim como qualquer alerta relevante que possa proteger a saúde da comunidade. Não é necessário procurar exemplos noutras latitudes. As maiores cheias de sempre atingiram o vale do Tejo nos finais dos anos 1960. A censura do Estado Novo impediu não só alertas e a execução de um plano de ajuda como a contabilização dos danos, pelo que até hoje se desconhece o real número de vítimas.

A terceira meta dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável relaciona-se com a saúde e o acesso aos cuidados. É um dever moral, pois todos devem ter acesso a cuidados de saúde de qualidade, mas também económico e de redução das desigualdades, uma vez que uma economia de pessoas saudáveis é mais produtiva e garante oportunidades mais justas para todos. As democracias são melhores a providenciar o acesso aos cuidados de saúde. Sabendo que a qualidade das democracias tem decaído um pouco por todo o mundo, incluindo na Europa, a consecução deste objetivo até 2030 encontra-se bastante comprometido.

Como funciona, na prática, este efeito? Porque sociedades livres e democráticas escolhem os seus líderes e as políticas a ser seguidas. A saúde nem sempre é um tema central da agenda mediática, mas influencia o sentido de voto de milhões de pessoas. Políticos que ofereçam soluções efetivas neste campo tendem a ser recompensados eleitoralmente.

Sem esquecer que, ao contrário do que muitos saudosistas afirmam, regimes autocráticos não só são profundamente corruptos, como a censura e o controlo do poder judicial impedem que haja um escrutínio da realidade. Só é enganado quem quer, mas o desvio para bolsos particulares de preciosos recursos que seriam bem empregues em investimento público não volta atrás.

A saúde é um direito humano que cresce em liberdade. Precisamos de melhorar a democracia da saúde, envolvendo mais as comunidades sobre as decisões que afetam a sua saúde. Desde a governança das instituições, passando pelo planeamento e decisões de financiamento dos cuidados, sem esquecer o acesso a medicamentos, um dos fatores que mais cria desigualdades nas famílias. A democratização da saúde só ficará completa quando o poder de decisão deixar de estar confinado aos gabinetes do ministério e passar envolver tanto os profissionais como as comunidades.

O 25 de Abril fez muito bem à nossa saúde. Nestes 50 anos de liberdade, Portugal deixou de ser um país com indicadores de saúde medíocres ou sem escrutínio para passar a ser um país de que nos pode orgulhar em várias dimensões. Está na hora de devolver e cuidar da saúde da democracia. Viva a liberdade!

Artigo publicado em Novo a 29 de abril de 2024

Sobre o/a autor(a)

Mário André Macedo

Enfermeiro especialista em saúde infantil e mestre em saúde pública.
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